Publicado em 25/11/2025 - 10:35 / Clipado em 25/11/2025 - 10:35
Dispositivo científico pode aprimorar o rastreamento do câncer de pulmão
"Phantom" híbrido combina realismo anatômico e métricas objetivas para aprimorar o rastreamento de nódulos pulmonares no câncer de pulmão
Por Jornal da USP
Reduzir a dose de radiação sem que haja perda na qualidade da imagem é um dos grandes desafios da tomografia computadorizada (TC). Em parceria com a Radboud University Medical Center, nos Países Baixos, pesquisadores da USP validaram um estudo que indica ser possível equilibrar esses parâmetros na tomografia pulmonar.
O aliado da conquista é um dispositivo científico pouco conhecido pelo público — o phantom, objeto usado para simular o corpo humano em testes.
Pode-se pensar nele como um substituto para o tecido humano, capaz de ser escaneado e de resultar em imagens que avaliem o desempenho de um equipamento de imagem.
Neste caso, o objetivo da equipe de físicos-médicos e radiologistas era criar um phantom que reproduzisse o tórax e a interação da radiação com os tecidos pulmonares. A intenção era avaliar, de forma precisa, a qualidade das imagens — um passo decisivo no aprimoramento do rastreamento de nódulos e no diagnóstico do câncer de pulmão na tomografia computadorizada pulmonar.
O “pulo do gato”, como define Paulo Roberto Costa, primeiro autor do artigo, está na criação de um modelo híbrido. O phantom desenvolvido pelos pesquisadores combina duas abordagens em um único dispositivo: uma voltada às métricas objetivas de imagem e outra ao realismo anatômico.
“A recomendação é trazer as doses para as mais baixas possíveis, desde que eu garanta que o radiologista consiga ver as estruturas necessárias para um diagnóstico adequado. Isso é difícil de fazer olhando só os parâmetros qualitativos objetivos”, explica Costa, que também é professor do Instituto de Física (IF) da USP.
Ainda que as métricas sejam bem estabelecidas e regulamentadas, Costa observa que “elas dizem pouco sobre a capacidade real do radiologista identificar estruturas no exame”. Pensando nisso, a parte antropomórfica do phantom foi projetada para acomodar estruturas impressas em 3D, que mimetizam a árvore traqueobrônquica e diferentes tipos de nódulos pulmonares. “A gente queria aproximar essas duas perspectivas [objetiva e antropomórfica].”
“O que tem de diferente? Tudo isso já se faz há muitos anos. É que não se incorpora os dois em um objeto só. Então, esse é o ‘pulo do gato’: colocar o objetivo e o subjetivo, que é o antropomórfico, no mesmo dispositivo”
Paulo Roberto Costa
As imagens dos nódulos, feitas com o phantom híbrido, foram produzidas com diferentes tecnologias, doses de radiação e algoritmos de processamento. As estruturas emulam pacientes anonimizados, escolhidos pelo radiologista Márcio Sawamura, do Instituto de Radiologia (InRad) do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP). Foi ele o responsável por selecionar pacientes que tinham nódulos pulmonares e apresentá-los para a pesquisa.
Em entrevista ao Jornal da USP, Sawamura conta que, para que o phantom fosse validado, “colegas radiologistas com diferentes níveis de experiência observaram essas imagens e classificaram se estavam parecidas com o nódulo verdadeiro ou não”. O teste era feito às cegas: sem saber se havia nódulos presentes, os observadores indicavam se conseguiam identificá-los ou não. Participaram, no total, cinco radiologistas e oito observadores sem formação na área.
Mas essa não foi a única forma de validação do phantom. Ele também passou por testes de desempenho, cujos resultados variaram, influenciados pelos níveis de dose, voltagem e filtragem do feixe de raios X usados. Houve, ainda, uma avaliação comparativa da densidade dos materiais, medida pela Escala Hounsfield (HU) — uma referência usada na tomografia para avaliar o quanto cada tecido absorve os raios X. Na prática, quanto maior o valor HU, mais denso é o material e, portanto, mais claro ele aparece na tomografia. A diferença entre os valores publicados na Medical Physics e os esperados pela escala foi inferior a 15%.
Os desafios da pesquisa
Sawamura explica que o diagnóstico precoce do câncer de pulmão é ainda mais desafiador, uma vez que o exame indicado — a tomografia computadorizada de baixa dose (LDCT) — utiliza, por natureza, uma quantidade reduzida de radiação, o que pode comprometer a nitidez das imagens. “O câncer de pulmão pode começar como um nódulo muito pequeno no pulmão. Então a ideia foi replicar isso, porque a gente precisa conseguir ver na imagem esses nódulos de 2, 3 milímetros”, diz.
Surgiu daí a preocupação de emular a densidade dos nódulos, assim como seriam os de uma pessoal real. Reproduzir esse comportamento foi um dos desafios da pesquisa, já que, em muitos casos, o câncer de pulmão se manifesta inicialmente como “uma opacidade tênue”, chamada de opacidade de vidro fosco (OVF), que aparece na tomografia como uma área fosca. “Depois ele se solidifica, fica mais denso, mais fácil de a gente ver.”
Por esse motivo, os pesquisadores têm publicado trabalhos que abordam a volumetria dos nódulos. O professor Costa explica que a medição do volume dos nódulos é uma ferramenta importante na decisão clínica: “Esse volume vai indicar a necessidade de que, daqui a 400 dias, o paciente faça outra tomografia. Se este nódulo dobrou de volume em 400 dias, ele tem um prognóstico de câncer mais bem determinado. Se o nódulo não mudar, é outro prognóstico.”
A pergunta que orientou esses avanços, de acordo com ele, foi pensar no que os parâmetros de qualidade dizem sobre como o radiologista vê a imagem. Como os phantoms comerciais não respondem a essa demanda, a equipe decidiu desenvolver um modelo próprio. “Têm poucos phantoms distribuídos em um país deste tamanho e precisamos desenvolver tecnologia nacional. Isso é um desafio que a gente está adotando”, acrescenta o professor.
O phantom híbrido é resultado da construção de objetos com impressora 3D. Sem ela, “seria praticamente impossível fazer isso em custos razoáveis”, uma vez que os phantoms são aquisições de alto custo.
A imagem mostra um phantom híbrido posicionado na mesa do tomógrafo. Ele tem formato circular e é dividido em compartimentos internos preenchidos com materiais que simulam diferentes tecidos do corpo humano, feitos pela impressora 3D.
O plano dos pesquisadores é expandir e desenvolver o phantom híbrido também para outras anatomias além do tórax, como abdômen, cabeça e mamas – Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Sobre o uso de radiação
A tomografia computadorizada utiliza radiação ionizante, que é transmitida pelo corpo do paciente e ajuda a gerar imagens tridimensionais de seu interior. Um conjunto de operações matemáticas transforma esses vários sinais dos detectores em um grupo de imagens planas. O resultado são imagens conhecidas popularmente que alternam entre preto, branco e tons de cinza — os ossos aparecem em branco devido à alta densidade, o ar em preto e tecidos em cinza.
Os parâmetros de uso da radiação são palco de grande debate dentro da comunidade médica. Entende-se que o procedimento deve, primeiro, ter o menor nível de radiação possível e, segundo, garantir que, com esse nível de radiação, o clínico consiga identificar as estruturas do corpo. ”Talvez, para uma pessoa, a dose de radiação não vá fazer diferença, mesmo porque ela se beneficia com o diagnóstico.” Segundo o professor, a preocupação é de que a dose traga um risco maior. “Para centenas de milhares de pessoas, não olhando tanto o indivíduo, mas epidemiologicamente, isso pode ser um problema”, ressalta.
Para ele, é preciso cautela nesses debates. Costa acredita que vilanizar a tomografia por seu uso de radiação está longe de ser a resposta: “Se o tomógrafo passa por processo de otimização, tem um físico médico cuidando do balanço entre qualidade das imagens e doses; a melhor estratégia, desde que esteja justificada, é fazer o diagnóstico, não é fugir dele”.
O artigo Hybrid phantom for lung CT: Design and validation pode ser acessado neste link.
Mais informações: pcosta@if.usp.br, com Paulo R. Costa, e marcio.sawamura@hc.fm.usp.br, com Márcio Sawamura
*Estagiária sob orientação de Fabiana Mariz
**Estagiária sob orientação de Moisés Dorado
Jornal da USP
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