Publicado em 23/11/2025 - 10:31 / Clipado em 24/11/2025 - 10:31
Pessoas com nanismo enfrentam estresse diário por preconceito e falta de adaptação
- Baixa estatura dificulta acesso a ônibus, uso de cadeiras e de instalações como banheiros
- Alvo de curiosidade, portadores da condição são tocados e fotografados por estranhos
Flávia Mantovani
Da maçaneta inalcançável aos olhares de deboche na rua, de dores por não ter onde apoiar as pernas ao se sentar a toques indesejados por parte de estranhos, pessoas com nanismo enfrentam, diariamente, uma combinação de obstáculos físicos e hostilidade social que causa exaustão emocional.
"É como se a gente estivesse em uma corrida que antecede o trajeto", define Izabela Ganzer, psicóloga do Instituto Nacional de Nanismo (INN) e ela própria uma pessoa com essa condição.
Segundo Ganzer, antes de sair de casa, é preciso antecipar obstáculos, imaginar como será o ambiente e tentar resolver de antemão problemas possíveis. "Quando a gente chega no local, já teve todo esse desgaste emocional", diz.
A psicóloga foi uma das participantes do painel "O desafio da inclusão", do seminário Avanços no Tratamento do Nanismo, realizado pela Folha na última terça-feira (18), com patrocínio do laboratório BioMarin.
A mediação foi do repórter especial e colunista Jairo Marques, que é cadeirante e afirmou considerar o capacitismo contra pessoas com nanismo o mais violento de todos.
Os depoimentos dos demais palestrantes também evidenciaram os desafios rotineiros de viver com nanismo. Uma delas era Priscilla Dornellas, mãe de Mel, uma criança de oito anos que tem acondroplasia —doença genética que é a causa mais comum de nanismo desproporcional.
"Na escola, cada canto virou um desafio. Um vaso sanitário alto demais, uma porta pesada, um degrau grande, uma pia inacessível, uma mochila maior que ela. Enquanto outras crianças entravam e saíam com leveza, a minha precisava de esforço ou de ajuda para fazer coisas simples."
A sobrecarga vem também do estranhamento que as pessoas demonstram em relação a essa população. Mel, por exemplo, demorou a aceitar fazer aulas de balé, apesar de gostar da dança.
"Ela é superdespachada, conversada. Só que chega uma hora que cansa ter que explicar o tempo todo por que você é assim, por que não cresceu. Ela não queria ter que ficar se justificando", contou a mãe.
Em alguns casos, as abordagens são violentas e violam a intimidade. Dornellas já teve que pegar a filha no colo ao notar alguém apontando o celular para a criança. "É como se o corpo não pertencesse a elas. Já teve uma pessoa que saiu de uma mesa no restaurante e veio até nós para tocá-la. É muito chato."
Juliana Yamin, presidente do INN, que também tem um filho com acondroplasia, mencionou pesquisas sobre a prevalência de sintomas de transtorno do estresse pós-traumático nessa população.
"Eles têm preocupações diárias com coisas que para nós são automáticas. Será que eu vou conseguir pegar o ônibus? Será que eu vou conseguir sentar na cadeira, usar o banheiro, pedir uma comida, ser enxergado por alguém que está atrás de um balcão?", diz.
Para Yamin, o Brasil deveria reconhecer o capacitismo como um crime coletivo, tal qual o racismo, e não apenas quando há um indivíduo identificado, como prevê hoje a Lei Brasileira de Inclusão. "A gente ainda vê muita gente vivendo da piada escrachada e isso é inadmissível."
Ela ressaltou a necessidade de cuidar da saúde mental das famílias. Tanto ela quanto Dornellas lembraram o impacto que foi receber o diagnóstico dos filhos e como tiveram que "entrar em um universo completamente novo sem mapa e sem bússola", nas palavras da mãe de Mel.
Ambas fazem parte da estatística de 80% de pais de crianças com nanismo que possuem estatura mediana.
"É natural que as expectativas, as ansiedades e as preocupações sejam muito grandes. E nesse momento o médico tem muita responsabilidade", afirmou o geneticista Juan Llerena Júnior, do Instituto Fernandes Figueira, da Fiocruz.
Segundo ele, o lançamento do primeiro remédio para acondroplasia (a vosoritida, em 2021) trouxe mais visibilidade à condição. "Quando a gente não tem uma medicação, para qualquer doença, ela fica naquele nicho, naquela família", afirmou.
Llerena destacou o papel educativo de jovens com nanismo que se tornaram influenciadores nas redes sociais e das associações de pacientes.
"Estamos saindo do assistencialismo, houve uma profissionalização dessas organizações. Se não fosse pela sociedade civil, nossas políticas públicas estariam muito atrasadas."
As demais participantes também se mostraram otimistas, apesar das experiências dolorosas compartilhadas.
"Se sairmos do automático e passarmos a enxergar não o que falta, mas o que sobra, vamos entender que a pessoa com deficiência tem potência, tem voz e tem muito a agregar", disse Izabela Ganzer.
Dornellas contou o quanto a filha melhorou com o tratamento e contou do impacto das ações de conscientização feitas por Mel na escola.
Para Yamin, um futuro menos capacitista é possível, embora o caminho seja longo. "A minha geração era muito mais preconceituosa que a de hoje. A gente já evoluiu muito, mas ainda temos muito a fazer."

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