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Publicado em 31/10/2025 - 10:28 / Clipado em 03/11/2025 - 10:28

Inovação tecnológica pode garantir o futuro de milhares de crianças


Inteligência artificial permite diagnóstico precoce de distúrbios neurológicos em recém-nascidos

Por Giovanni Cerri31/10/2025

 

No início deste mês, a Comissão de Assuntos Sociais do Senado Federal realizou uma audiência pública para discutir o uso de tecnologias digitais na prevenção de sequelas neurológicas em recém-nascidos internados em UTIs neonatais. O encontro, que reuniu especialistas, gestores públicos e demais interessados, em boa hora conduz o debate sobre a incorporação de tecnologia na saúde para uma área especialmente sensível. Problemas neurológicos congênitos ou decorrentes do parto, se não forem diagnosticados com rapidez e tratados adequadamente no período neonatal, podem acarretar graves sequelas ou mesmo algum tipo de deficiência, impactando o futuro da criança.

Estamos vivendo um período de alta prevalência de distúrbios neurológicos em todo o mundo, como atesta o relatório Global Status Report on Neurology, divulgado neste mês pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Segundo o documento, mais de 40% da população mundial sofre de algum distúrbio neurológico e o número de mortes associadas a doenças desse tipo ultrapassa a cifra de 11 milhões por ano. Faz parte desse quadro a falta de preparo da maioria dos países para lidar com o problema.

O desafio, no entanto, vai além do aumento expressivo dos vários tipos de demência que acompanham o envelhecimento da população. Na outra ponta, entre aqueles que acabam de chegar ao mundo, são preocupantes os casos de encefalopatia neonatal, meningite, hemorragia intraventricular, crises epilépticas neonatais e complicações neurológicas ligadas ao parto prematuro, além de infecções congênitas, como a provocada pelo citomegalovírus e, como é forçoso lembrar, a associada à zika, que, há dez anos, pôs o Brasil em estado de alerta.

O surto de zika, em 2015, foi uma emergência de saúde pública sem precedentes. Desde então, nasceram mais de 4.500 crianças com microcefalia ocasionada pela infecção da mãe nos três primeiros meses da gestação. A associação entre a zika, transmitida pelo Aedes aegypti, e casos de microcefalia começou a ser percebida conforme as ultrassonografias revelavam número atípico de bebês com calcificações cerebrais e cabeça muito menor que o normal. Na época, era muito menos desenvolvida a capacidade de diagnóstico precoce e de monitoramento fetal. Hoje, com os avanços em exames de imagem assistidos por inteligência artificial, sequenciamento genético portátil e monitoramento remoto de gestantes, seria possível detectar e intervir com muito mais agilidade.

Se esse foi um episódio excepcional, que trouxe consequências dolorosas para milhares de famílias, outros tipos de doença com impacto neurológico ocorrem diariamente no país. A cada ano, são registrados de 15 mil a 20 mil casos de encefalopatia hipóxico-isquêmica, causada pela falta de oxigênio no parto. Em casos desse tipo, que podem evoluir para paralisia cerebral, o fator preponderante é a agilidade no diagnóstico e no início do tratamento. A hipotermia terapêutica pode reduzir danos, mas tem de ser iniciada nas primeiras seis horas de vida do bebê. Quando olhamos em perspectiva para a desigualdade regional de acesso a exames e ao que há de mais moderno na medicina diagnóstica, a situação fica ainda mais preocupante.

O acesso a neurologistas e aos exames de imagem, que dependem da disponibilidade de aparelhos com manutenção em dia, está concentrado nos grandes centros urbanos, sobretudo na região Sudeste. Esse é um cenário que não se transforma da noite para o dia, pois envolve múltiplos fatores, mas a tecnologia também pode contribuir significativamente para uma melhor distribuição do atendimento. É urgente expandir a teleneurologia, que, por meio de videoconferências, aplicativos móveis e plataformas digitais, permite ao neurologista avaliar, diagnosticar e acompanhar remotamente o paciente, o que é estratégico em áreas distantes ou com baixa cobertura médica. Crianças que passaram por UTI neonatal, por exemplo, podem receber acompanhamento remoto de neurologistas.

Embora ainda tenhamos um caminho a percorrer na universalização do acesso às inovações, o Brasil tem avançado na adoção de tecnologias de ponta. A Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) desenvolveu uma plataforma que utiliza internet das coisas e inteligência artificial para monitorar funções neurológicas de bebês em UTIs neonatais. O sistema analisa padrões de movimento e comportamento, possibilitando chegar a diagnósticos mais precisos e realizar intervenções mais rápidas.

Outro exemplo que merece destaque é a iniciativa da PBSF (Protecting Brains & Saving Futures), uma organização nacional que implementou a UTI Neonatal Neurológica Digital em 48 hospitais brasileiros. Mais de 15 mil recém-nascidos de alto risco já foram atendidos nessa abordagem. Um sistema integrado de monitoramento cerebral contínuo utiliza sensores e eletroencefalogramas para captar sinais neurológicos em recém-nascidos de alto risco. Esses dados são analisados por algoritmos de inteligência artificial capazes de identificar precocemente crises epilépticas silenciosas, asfixia perinatal e outras ameaças neurológicas. As informações são transmitidas via computação em nuvem para uma plataforma digital, e especialistas remotos acompanham os sinais em tempo real, o que lhes permite tomar as decisões adequadas. Como a maior parte das crises neurológicas em recém-nascidos não apresenta sinais visíveis, esse tipo de tecnologia é particularmente útil, pois permite detectar com alta precisão e rapidez alterações que o ser humano, por si só, levaria mais tempo para perceber.

Temos pesquisa e inovação no Brasil, mas é preciso que o poder público atue para expandi-las e incorporá-las. Introduzir tecnologias digitais nas UTIs neonatais representa um passo transformador na saúde pública e na cultura da prevenção. Ao minimizar sequelas neurológicas evitáveis, a tecnologia dá esperança e qualidade de vida a milhares de crianças. Investir em inovação para cuidar de nossas crianças é investir no futuro.

 

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