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Publicado em 28/10/2025 - 10:35 / Clipado em 28/10/2025 - 10:35

Câncer de mama e a promessa de um tratamento em 20 minutos: estamos prontos para essa revolução?


Sou Marco Bego e confesso que poucas manchetes me chamam tanta atenção quanto a que a publicada pela revista Veja São Paulo: “Novo tratamento promete eliminar o câncer de mama em 20 minutos”. A frase tem potência midiática, mas também desperta desconfiança científica. Eliminar um tumor tão complexo em um tempo tão curto soa quase milagroso. E é justamente esse tipo de promessa que exige uma análise fria, ancorada em evidências e visão estratégica de futuro.

A notícia da Veja São Paulo se baseia em pesquisas conduzidas pela empresa britânica Theraclion, que desenvolve um tratamento por ultrassom focalizado de alta intensidade (HIFU) para tumores de mama. O procedimento dura cerca de 20 minutos, mas é importante esclarecer: esse tempo se refere à duração da aplicação, não à cura imediata. O controle oncológico, a taxa de recorrência e o impacto em sobrevida ainda precisam ser comprovados em estudos de longo prazo.

Nos últimos anos, o câncer de mama tem sido alvo de intensas pesquisas em terapias menos invasivas e mais precisas. Entre elas, técnicas de ablação por radiofrequência, crioterapia, micro-ondas e terapias fotoacústicas, além do próprio HIFU. Todas compartilham o objetivo de reduzir o tempo de tratamento, minimizar efeitos colaterais e evitar cirurgias mutiladoras. Se a tecnologia descrita na reportagem realmente consolidar sua eficácia, o impacto pode ser transformador.

O National Cancer Institute (NCI) e a base de dados da Food and Drug Administration (FDA) listam diversas dessas técnicas em ensaios clínicos de fase II e III. Nos Estados Unidos e na Europa, o HIFU e a crioterapia já são testados em tumores pequenos, com resultados promissores em controle local. O National Health Service (NHS) no Reino Unido avalia protocolos de custo-efetividade antes de considerar incorporações. Ou seja, há avanços reais, mas ainda não se trata de uma terapia consolidada para uso rotineiro.

No Brasil, o desafio é ainda maior. O câncer de mama é o tipo mais incidente em mulheres, com mais de 70 mil novos casos estimados para 2025, segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA). O SUS já enfrenta filas extensas para diagnóstico e cirurgia, além de desigualdades regionais profundas. Uma tecnologia que encurte o tempo de tratamento teria valor imenso, mas só se vier acompanhada de políticas de acesso, treinamento e avaliação rigorosa de custo-efetividade. Caso contrário, corremos o risco de vender esperança sem sustentabilidade.

Do ponto de vista econômico, é preciso analisar não apenas o preço do equipamento, mas todo o ecossistema que viabiliza sua aplicação: logística hospitalar, capacitação médica, manutenção tecnológica e protocolos clínicos bem definidos para indicar quais pacientes realmente se beneficiam. Aqui, modelos de pagamento inovadores podem desempenhar papel central. Em terapias avançadas como as de células CAR-T, já existem contratos de risco compartilhado, em que o fornecedor só é pago integralmente se o resultado clínico for comprovado. Essa lógica poderia inspirar a introdução de terapias ablativas rápidas no SUS, equilibrando inovação e responsabilidade financeira.

Também é preciso olhar para o impacto simbólico. Um tratamento que elimina o tumor em minutos, sem internação prolongada, pode transformar a experiência da paciente, reduzindo dor, ansiedade e estigma. Isso reforça uma tendência cada vez mais relevante na saúde moderna: a humanização do cuidado. Não se trata apenas de curar, mas de como se cura.

Projetando o futuro, vejo três possibilidades. No primeiro cenário, a tecnologia se mostra eficaz apenas em casos muito específicos de tumores pequenos e localizados, atuando como complemento às terapias convencionais. No segundo, há expansão progressiva para grupos maiores de pacientes, mas ainda restrita a centros de alta complexidade. No terceiro e mais ambicioso, o Brasil adota um modelo escalável, com equipamentos distribuídos em centros regionais de oncologia do SUS, permitindo que milhares de mulheres tenham acesso a um tratamento rápido, menos invasivo e economicamente viável. Para isso, será necessário coragem regulatória, parcerias público-privadas e vontade política.

O caminho mais provável é híbrido. Testes clínicos nacionais precisarão validar a tecnologia, com protocolos conduzidos por hospitais universitários e institutos de referência. A Anvisa terá papel crucial em acelerar análises regulatórias sem comprometer o rigor científico, enquanto a Conitec avaliará custo-efetividade em horizonte de médio prazo, considerando economias indiretas como menos internações, menos complicações e retorno mais rápido à vida ativa.

Esse caso é um exemplo claro de como inovação em saúde não pode ser tratada de forma isolada. Precisamos enxergar a jornada completa, da pesquisa básica ao impacto na vida real das pacientes. A promessa de 20 minutos é sedutora, mas só será transformadora se vier acompanhada de evidências robustas, sustentabilidade financeira e visão de longo prazo. Inovar não é apenas acelerar o tempo de um tratamento, mas alinhar ciência, economia e humanidade em uma mesma equação de valor.

Se conseguirmos isso, não estaremos apenas diante de uma nova tecnologia, mas de uma verdadeira revolução na forma como tratamos o câncer de mama no Brasil. Uma revolução que conecta ciência de ponta, justiça social e o compromisso coletivo com a equidade em saúde.

REFERÊNCIAS: Veja São Paulo, National Cancer Institute, Food and Drug Administration, NHS England, Instituto Nacional de Câncer, Journal of Clinical Oncology 

 

 

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