Publicado em 23/10/2025 - 10:45 / Clipado em 27/10/2025 - 10:45
Robótica no SUS: a cirurgia que pode redefinir acesso e equidade em saúde no Brasil
Sou Marco Bego e hoje quero refletir sobre uma notícia que mexe diretamente com a forma como entendemos inovação em saúde no Brasil: o SUS realizará cirurgia de câncer de próstata utilizando robôs. A manchete parece corriqueira em países que já adotam amplamente a cirurgia robótica, mas no nosso contexto é disruptiva. Ela sinaliza que estamos ultrapassando a barreira do acesso desigual a tecnologias de ponta e abrindo a possibilidade de que um procedimento até agora restrito a grandes centros privados seja incorporado ao maior sistema público de saúde do mundo.
Segundo a Agência Brasil, a Conitec aprovou a incorporação da prostatectomia radical assistida por robô ao SUS, com prazo de até 180 dias para oferta do procedimento em hospitais públicos. A decisão contempla casos de doença localizada ou localmente avançada e prevê definição de centros de referência e protocolos de capacitação. Trata-se de um passo histórico, que coloca o Brasil entre os países que começam a democratizar o acesso a uma tecnologia até então considerada restrita.
A cirurgia robótica para câncer de próstata não é novidade internacionalmente. Desde os anos 2000, os sistemas robóticos vêm sendo usados em hospitais norte-americanos e europeus. Estudos robustos já demonstraram vantagens como menor perda sanguínea, recuperação mais rápida e menor taxa de complicações funcionais quando comparada à cirurgia aberta. Mas a questão central nunca foi apenas tecnológica, e sim econômica. O custo elevado do equipamento, da manutenção e do treinamento das equipes restringiu o acesso, criando uma espécie de elite tecnológica da saúde.
No Brasil, essa elite se materializou em hospitais privados de referência, principalmente em São Paulo, Rio de Janeiro e algumas capitais do Sul e Nordeste. Pacientes com plano de saúde premium ou recursos próprios conseguiram se beneficiar. Já a imensa maioria dos brasileiros, dependente do SUS, continuou submetida a cirurgias convencionais, mesmo quando a tecnologia já demonstrava valor agregado em qualidade e desfecho.
Por isso, a entrada da robótica no SUS é um marco. Ela reposiciona o debate sobre inovação e equidade. Não basta termos a tecnologia; precisamos garantir que ela seja distribuída de forma justa. E aqui o SUS tem uma força que poucos reconhecem: a capacidade de negociar em escala. Ao incorporar a cirurgia robótica em protocolos e redes estruturadas, pode reduzir custos unitários, diluir investimentos em treinamento e democratizar o acesso.
Olhando para fora, países como o Reino Unido, através do NHS, já passaram por esse processo. Inicialmente, a cirurgia robótica era vista como custo excessivo, mas à medida que estudos de custo-efetividade mostraram benefícios de longo prazo — como menor tempo de internação e redução de complicações que oneram o sistema —, houve expansão. Hoje, o NHS anunciou uma estratégia nacional para tornar a robótica padrão em múltiplos procedimentos até 2035, ampliando centros e investindo em capacitação. Esse movimento internacional reforça que não se trata de luxo, mas de decisão estratégica baseada em valor.
No Brasil, os desafios são significativos. Primeiro, a concentração geográfica: é provável que as primeiras unidades robóticas do SUS estejam em hospitais universitários e de grande porte, localizados em capitais. Isso pode gerar desigualdade no curto prazo, mas também abre caminho para a criação de polos de excelência e programas de treinamento que irradiem conhecimento para outras regiões. Segundo, a sustentabilidade econômica: não podemos replicar modelos privados de aquisição isolada. O SUS precisará explorar modelos inovadores de pagamento e parceria, contratos de performance, leasing tecnológico, parcerias público-privadas. Há casos internacionais em que a empresa fornecedora recebe não pela venda do robô em si, mas por um modelo de serviço por cirurgia realizada, alinhando interesse econômico e impacto clínico.
Outro ponto crucial é a capacitação. A cirurgia robótica não substitui o cirurgião, mas exige treinamento intensivo, mudança de fluxos operacionais e cultura de equipe. Investir em centros de simulação, fellowships e tele-mentoria pode acelerar a curva de aprendizado. Aqui novamente podemos aprender com o NHS e com iniciativas de hospitais acadêmicos nos EUA, que estruturaram redes de treinamento vinculadas às universidades e sociedades médicas.
E como fica o impacto para o paciente? A cirurgia de próstata é uma das mais frequentes em homens. Ter a opção robótica no SUS significa ampliar a chance de menos complicações urinárias e sexuais, recuperação mais rápida e menor tempo longe do trabalho. Isso não é detalhe: é impacto econômico direto, já que homens em idade produtiva retornam mais cedo às suas atividades, reduzindo custos indiretos para famílias e para o Estado.
Além disso, há um simbolismo poderoso. Mostrar que o SUS pode ofertar tecnologia de ponta, e não apenas o mínimo necessário, fortalece a confiança da população no sistema. E confiança é ativo intangível essencial para sua sustentabilidade política e social.
Projetando o futuro, é possível imaginar que a entrada da cirurgia robótica para próstata abra portas para outros usos no SUS: ginecologia oncológica, cirurgias digestivas, transplantes. A curva de incorporação tecnológica pode se acelerar, sempre que estudos demonstrarem custo-efetividade. E se o Brasil souber estruturar bem esse processo, poderá inclusive se tornar referência latino-americana, atraindo pacientes de países vizinhos e consolidando expertise.
O que me inspira nessa notícia não é apenas a cirurgia em si, mas a mensagem de que inovação em saúde precisa ser pensada em escala populacional, e não apenas como vitrine tecnológica. O SUS está dando um passo para que a robótica deixe de ser privilégio e se torne parte da realidade. Se conseguirmos aliar tecnologia, equidade e sustentabilidade, estaremos redefinindo o que significa oferecer saúde pública de qualidade no século XXI.
REFERÊNCIAS: Agência Brasil, NHS England, Journal of Urology, OECD Health Reports, Experiências de hospitais acadêmicos nos EUA e Reino Unido em treinamento de cirurgia robótica
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