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Portal Estadão

Publicado em 22/09/2025 - 09:41 / Clipado em 23/09/2025 - 09:41

Mortalidade por câncer colorretal aumenta 47% em 20 anos no Brasil, com alta maior entre os homens


Entre 2003 e 2023, taxa de mortalidade masculina subiu 61%, enquanto entre mulheres o aumento foi de 36%

Por Cindy Damasceno, Fabiana Cambricoli e Renan Honorato
 

A taxa de mortalidade por câncer colorretal no Brasil subiu 47% em 20 anos, passando de 5,42 em 2003 para 7,97 óbitos por 100 mil habitantes em 2023, ano da estatística mais recente.

O aumento foi maior entre os homens: o índice saltou 61% na população masculina, saindo de 5,63 para 9,06 no período. Já a taxa de mortalidade entre mulheres cresceu 36%, passando de 5,23 para 7,11 óbitos por 100 mil habitantes.

No período de duas décadas analisado, 331.571 brasileiros perderam a vida em decorrência desse tipo de câncer. O número de óbitos passou de 9.090 em 2003 para 24.773 em 2023. Até 2020, as mulheres somavam o maior número de vítimas, mas isso mudou a partir de 2021.

Os dados foram reunidos pelo Estadão e têm como base o Atlas de Mortalidade, portal de estatísticas sobre a doença no Brasil administrado pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca), e o Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde. Foram considerados os tumores localizados no intestino grosso até o canal anal, que correspondem ao colorretal, segundo a classificação internacional de doenças (CID-10) (ver metodologia ao fim da reportagem).

Entre as hipóteses listadas por especialistas para a alta de mortes estão o aumento da prevalência de doenças crônicas que são fatores de risco para o câncer colorretal, como a obesidade, e o avanço de hábitos de vida pouco saudáveis, como dieta inadequada, sedentarismo e consumo de álcool. O envelhecimento populacional também ajuda a explicar o crescimento de óbitos, já que a idade mais avançada é um dos principais fatores de risco para o aparecimento de tumores.

Segundo especialistas, a maior prevalência de algumas condições de saúde entre os homens, como sobrepeso, tabagismo e alcoolismo, ajuda a explicar a maior mortalidade pela doença entre pacientes do sexo masculino. Além disso, os homens são menos atentos a medidas de prevenção e resistem mais a procurar ajuda especializada quando apresentam algum sintoma, dizem os médicos.

“A mulher tem melhor prognóstico porque é mais preocupada, se protege mais, faz a prevenção”, destaca Maria Paula Curado, chefe do Grupo de Epidemiologia e Estatística do Câncer no A.C.Camargo Cancer Center.

“Elas são mais pró-ativas. Quando manifestam os primeiros sintomas, logo procuram o médico e, consequentemente, o diagnóstico é feito mais precocemente, aumentando as chances de cura. Os homens são mais displicentes, persistem com sintomas por muito tempo até procurar um médico e, quando procuram, o diagnóstico é de uma doença mais avançada”, afirma Hélio Moreira, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Coloproctologia e coordenador da campanha Março Azul 2025 pela SBCP, iniciativa para prevenção do câncer de intestino.

Moreira, que também é cirurgião, aponta ainda como hipótese para maior mortalidade entre os homens a complexidade da cirurgia para tratamento de câncer de reto entre os pacientes do sexo masculino.

“É um procedimento mais difícil porque os homens têm uma pelve mais profunda, mais estreita, com campo cirúrgico mais difícil de evidenciar estruturas. Claro que o avanço das técnicas minimamente invasivas, inclusive a robótica, diminuiu a dificuldade, mas, mesmo assim, ainda é mais complexa do que nas mulheres”, comenta.

De fato, entre os quatro subtipos de câncer colorretal (cólon, reto, junção retossigmoide e ânus/canal anal), o tumor de reto foi o que teve o maior predomínio de mortes de homens em 2023, com 54% dos óbitos entre o sexo masculino.
 

Pandemia agravou o problema

A pandemia, dizem os especialistas, dificultou ainda mais o diagnóstico precoce. Nos piores anos do coronavírus (2020 e 2021), muitos exames deixaram de ser feitos e, com isso, os diagnósticos demoraram mais a acontecer.

Um estudo da Faculdade de Saúde Pública da USP, publicado no periódico científico BMC Cancer, mostrou que, entre 2020 e 2022, as mortes por câncer ficaram abaixo do esperado, em parte porque pacientes oncológicos foram mais vulneráveis à covid-19, aumentando os óbitos pelo vírus.

Em 2023, no entanto, o número de mortes por câncer colorretal cresceu quase 10,9% em comparação com os dados de 2022. A variação é muito superior ao crescimento médio dos 19 anos anteriores, que ficou em 4,9%, o que mostra que o adiamento de exames e consultas de rotina pode ter levado a um aumento de diagnósticos de cânceres mais avançados.

Mesmo com os avanços no tratamento do câncer de intestino nas últimas décadas, o diagnóstico tardio pode dificultar ou inviabilizar a cura. “O tratamento, nesses quadros, em tese, não tem caráter curativo”, explica Flora Lino, oncologista pesquisadora do Inca.

Em alguns casos, porém, mesmo que a cura não seja possível, pacientes com doença avançada podem viver anos com o tumor sob controle. Mas a prevenção e o diagnóstico precoce continuam sendo o melhor caminho.

A Sociedade Brasileira de Coloproctologia recomenda que todas as pessoas com mais de 45 anos realizem o rastreamento da doença por meio de exames como colonoscopia ou exame de sangue oculto nas fezes. O SUS ainda não possui um programa de rastreamento estruturado para todos os pacientes nessa faixa etária, mas a iniciativa vem sendo estudada pelo ministério.


Mortalidade cresce também entre mais jovens

Nos últimos anos, a comunidade acadêmica acompanha um aumento da incidência e mortalidade por câncer colorretal também entre pessoas mais jovens, abaixo dos 50 anos, faixa etária em que o tumor colorretal costumava ser mais raro.

Nesse grupo, as mulheres têm uma taxa de mortalidade levemente superior à dos homens. Em 2023, foram 1,23 óbitos a cada 100 mil mulheres, contra um índice de 1,18 entre o público masculino. A variação ao longo das duas décadas analisadas, porém, mostra que a taxa teve um crescimento maior entre os homens - 44% ante 40%.

Segundo Flora Lino, o consumo desde cedo de alimentos ultraprocessados é uma das hipóteses consideradas pelos cientistas e sociedades médicas para o aumento da doença entre jovens. Os demais fatores de risco para esse tipo de tumor, como obesidade, também vêm avançando nesse grupo populacional. São estudados também o microplástico e o uso indiscriminado de antibióticos, diz a pesquisadora.

Apesar do aumento, as mortes entre os mais jovens ainda são proporcionalmente menores do que nas faixas etárias mais velhas. Em 2023, enquanto a taxa de mortalidade entre os menores de 50 anos ficou em cerca de 1 óbito para cada 100 mil habitantes, a dos mais velhos foi de 35.
 

Metodologia

Os números desta reportagem foram extraídos do Atlas On-line de Mortalidade do Inca (aba tabulador). A taxa de mortalidade que aparece neste material corresponde à taxa ajustada por idade nos CIDs C18, C19, C20 E C21. Conforme nota técnica do instituto, este indicador tem como base a população mundial.

O ajuste da taxa de mortalidade serve para eliminar ou reduzir o efeito das diferenças etárias entre populações ou na mesma população ao longo do tempo. Isso garante que variações geográficas ou temporais não sejam atribuídas apenas à estrutura etária. 

 

https://www.estadao.com.br/saude/mortalidade-por-cancer-colorretal-aumenta-47-em-20-anos-no-brasil-com-alta-maior-entre-os-homens/

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