Publicado em 20/08/2025 - 10:06 / Clipado em 21/08/2025 - 10:06
Parte do cérebro aumenta com o tempo; entenda como isso muda o que sabemos sobre envelhecimento
Novo estudo revela que, em vez de apenas encolher, o cérebro pode aumentar em certas áreas com a idade
Por Esther Kuehn , Em The Conversation*
Recentemente, perguntei a mim mesma se ainda terei um cérebro saudável à medida que envelheço. Sou professora em um departamento de neurologia. No entanto, é difícil para mim julgar se um cérebro específico, incluindo o meu, sofre de neurodegeneração precoce. Meu novo estudo , no entanto, mostra que parte do seu cérebro aumenta de tamanho com a idade, em vez de degenerar.
A razão pela qual é tão difícil medir a neurodegeneração é a complexidade em avaliar estruturas pequenas em nosso cérebro.
A tecnologia moderna de neuroimagem permite detectar um tumor cerebral ou identificar uma lesão epiléptica. Essas anomalias têm vários milímetros de tamanho e podem ser representadas por um aparelho de ressonância magnética (RM), que opera com uma intensidade cerca de 30 mil e 60 mil vezes maior que o campo magnético natural da Terra. O problema é que o pensamento e a percepção humana acontecem em uma escala ainda menor.
Nosso pensamento e percepção acontecem no neocórtex. Essa parte externa do cérebro é composta por seis camadas. Quando você sente um toque no corpo, a camada quatro do córtex sensorial é ativada. Essa camada tem a largura de um grão de areia – muito menor do que o que os aparelhos de RM em hospitais costumam captar.
Quando você modula sua sensação corporal, por exemplo, ao tentar ler este texto em vez de sentir a dor nas costas, as camadas cinco e seis do córtex sensorial são ativadas – ainda menores que a camada quatro.
Para meu estudo, publicado na revista Nature Neuroscience, tive acesso a um scanner de ressonância magnétiica de 7 Tesla, que oferece uma resolução de imagem cinco vezes melhor do que os aparelhos de RM convencionais. Ele torna visíveis instantâneos das redes cerebrais em pequena escala durante a percepção e o pensamento.
Com esse scanner de 7 Tesla, minha equipe e eu investigamos o córtex sensorial em adultos jovens saudáveis (por volta dos 25 anos) e idosos saudáveis (por volta dos 65 anos), para compreender melhor o envelhecimento cerebral. Descobrimos que apenas as camadas cinco e seis, responsáveis por modular a percepção corporal, apresentaram sinais de degeneração relacionada à idade.
A camada quatro, necessária para sentir o toque no corpo, estava aumentada em idosos saudáveis no meu estudo. Também realizamos um estudo comparativo com camundongos. Encontramos resultados semelhantes nos camundongos mais velhos, pois eles também apresentavam uma camada quatro mais pronunciada do que os camundongos mais jovens.
No entanto, evidências do estudo com os camundongos, que incluiu um terceiro grupo de camundongos muito velhos, mostraram que essa parte do cérebro pode degenerar em idades mais avançadas.
As teorias atuais assumem que nosso cérebro encolhe à medida que envelhecemos. Mas as descobertas da minha equipe contradizem essas teorias em parte. É a primeira evidência de que algumas partes do cérebro aumentam com a idade em idosos saudáveis.
Espera-se que idosos com uma camada quatro mais espessa sejam mais sensíveis ao toque e à dor e, devido à redução das camadas profundas, tenham dificuldades em modular tais sensações.
Para entender melhor esse efeito, estudamos um paciente de meia-idade que nasceu sem um braço. Ele tinha uma camada quatro menor. Isso sugere que o cérebro dele recebeu menos impulsos em comparação a uma pessoa com dois braços e, portanto, desenvolveu menos massa nessa camada. Partes do cérebro mais utilizadas desenvolvem mais sinapses e, consequentemente, mais massa.
Em vez de degenerar sistematicamente, o cérebro de idosos parece preservar, ao menos em parte, aquilo que é mais utilizado. O envelhecimento cerebral pode ser comparado a uma máquina complexa em que algumas peças, usadas com frequência, permanecem bem lubrificadas, enquanto outras, usadas com menos frequência, se desgastam.
Nessa perspectiva, o envelhecimento do cérebro é individual, moldado por nosso estilo de vida – incluindo nossas experiências sensoriais, hábitos de leitura e desafios cognitivos que enfrentamos no dia a dia.
Além disso, mostra que os cérebros de adultos mais velhos saudáveis preservam a capacidade de se manter em sintonia com o ambiente ao redor.
Uma vida inteira de experiências
Há ainda outro aspecto interessante nos resultados. O padrão de alterações cerebrais que encontramos em idosos – uma região de processamento sensorial mais forte e uma região moduladora reduzida – apresenta semelhanças com transtornos neurodivergentes, como o transtorno do espectro autista ou o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade.
Transtornos neurodivergentes são caracterizados por maior sensibilidade sensorial e menor capacidade de filtragem, levando a problemas de concentração e flexibilidade cognitiva.
Nossas descobertas indicam que o envelhecimento conduz o cérebro na direção de transtornos neurodivergentes? O cérebro de idosos foram moldados por uma vida inteira de experiências, enquanto pessoas neurodivergentes já nascem com esses padrões cerebrais. Portanto, seria difícil saber quais outros efeitos a formação de massa cerebral com a idade pode trazer.
Ainda assim, nossas descobertas fornecem algumas pistas sobre por que idosos às vezes têm dificuldades em se adaptar a novos ambientes sensoriais. Nessas situações – por exemplo, ao ser confrontado com um novo dispositivo tecnológico ou ao visitar uma nova cidade – a redução das habilidades modulatórias das camadas cinco e seis pode se tornar particularmente evidente, aumentando a probabilidade de desorientação ou confusão.
Isso também pode explicar a redução da capacidade de realizar multitarefas com a idade, como usar um celular enquanto caminha. Informações sensoriais precisam ser moduladas para evitar interferência quando se está fazendo mais de uma coisa ao mesmo tempo.
Tanto as camadas médias quanto as profundas apresentaram mais mielina – uma camada gordurosa protetora crucial para o funcionamento e a comunicação dos nervos – em camundongos mais velhos e também em humanos. Isso sugere que, em pessoas com mais de 65 anos, existe um mecanismo compensatório para a perda de função moduladora. No entanto, esse efeito parece estar desaparecendo nos camundongos muito idosos.
Nossos resultados fornecem evidências do poder do estilo de vida de uma pessoa na formação do cérebro em envelhecimento.
*Esther Kuehn é professora de neurociência na Universidade de Tübingen, na Alemanha.
Veículo: Online -> Portal -> Portal O Globo - Rio de Janeiro/RJ