Publicado em 31/07/2025 - 09:33 / Clipado em 01/08/2025 - 09:33
A urgência silenciosa do check-up
A medicina moderna, baseada em evidências e centrada no paciente, já não se satisfaz em apenas curar. Quer evitar
Por Ludhmila Hajjar
No Brasil, a medicina avança a passos largos, com novas tecnologias, terapias personalizadas e centros de excelência em diversas regiões. Mas muitos brasileiros e brasileiras ainda caminham no escuro quando o assunto é prevenção e promoção da saúde. Apesar dos avanços técnicos, ainda falta uma cultura sólida de cuidado contínuo e proativo.
Após os 40 anos, o corpo humano começa a apresentar, de forma mais evidente, as marcas do tempo e da vida. A hipertensão, por exemplo, afeta cerca de um em cada três adultos brasileiros. Soma-se a isso alterações hormonais, disfunções metabólicas e uma crescente predisposição a doenças crônicas. O risco de desenvolver algum tipo de câncer também aumenta significativamente após os 40 anos. De acordo com estimativas do Instituto Nacional de Câncer (INCA), 66% dos diagnósticos de câncer no Brasil ocorrem a partir dessa faixa etária, tornando essa etapa da vida um marco crítico para decisões preventivas.
Ainda assim, é comum que o primeiro contato com o sistema de saúde ocorra apenas diante de um sintoma agudo. Segundo pesquisas, cerca de 40% dos brasileiros só procuram o médico quando os sintomas se tornam graves ou insuportáveis. Isso escancara um dos grandes paradoxos da saúde pública: temos recursos, conhecimento e diretrizes, mas ainda enfrentamos barreiras culturais, sociais e estruturais para o cuidado precoce.
O check-up de rotina, especialmente após os 40, não deve ser tratado como um luxo ou uma opção, mas como uma necessidade vital. É nesse momento da vida que ocorrem transições fisiológicas importantes, como mudanças hormonais, alterações no metabolismo, flutuações na qualidade do sono, declínio progressivo da massa muscular e variações na saúde cardiovascular e mental. Paralelamente, aumentam as chances de doenças como diabetes tipo 2, dislipidemias, doenças tireoidianas e neoplasias.
Mais do que um compilado de exames, o check-up funciona como um mapa da saúde individualizada, permitindo ao médico e ao paciente a construção de uma linha de base personalizada. A partir dessa referência, torna-se possível monitorar variações sutis ao longo dos anos, detectar anormalidades em fases ainda assintomáticas e guiar intervenções precoces, que são geralmente menos invasivas, mais eficazes e mais baratas.
Entre os exames fundamentais nessa etapa da vida estão a aferição da pressão arterial, exames laboratoriais como glicemia, hemoglobina glicada, perfil lipídico, função renal e hepática, além de ultrassonografias abdominais e de tireoide, mamografia, PSA, colonoscopia, eletrocardiograma e, em alguns casos, testes ergométricos ou ecocardiogramas. A avaliação da saúde mental e cognitiva também merece destaque. Quadros de ansiedade, depressão ou déficit de atenção em adultos maduros ainda são subdiagnosticados, embora tenham impacto direto na produtividade, no sono e na adesão ao tratamento.
A medicina moderna, baseada em evidências e centrada no paciente, já não se satisfaz em apenas curar. Quer evitar. E, para isso, o investimento em programas de rastreamento populacional e em campanhas educativas é tão essencial quanto o investimento em hospitais e novas tecnologias. A prevenção não é custo — é economia futura. Diversos estudos mostram que cada real investido em prevenção pode gerar uma economia de até quatro vezes mais em tratamentos e hospitalizações evitadas.
Infelizmente, fatores como desinformação, medo de diagnósticos, baixa escolaridade e dificuldades de acesso ainda afastam muitas pessoas do consultório. É por isso que o papel do médico, da mídia, das escolas e das instituições de saúde precisa ser claro: comunicar com empatia, educar com ciência e acolher com humanidade. Todos os brasileiros, independentemente de sua classe social, têm o direito de envelhecer com dignidade, autonomia e saúde.
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