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Portal O Globo - Rio de Janeiro/RJ

Publicado em 16/07/2025 - 09:21 / Clipado em 17/07/2025 - 09:21

O silêncio do cérebro


Estudos mostram que a multitarefa crônica reduz a eficiência cognitiva, prejudica a memória e aumenta o estresse


Por Marcio Atalla 

 

Vivemos uma era de excessos. Excesso de informação, de estímulos, de conexões. O mundo digital, com suas notificações incessantes, telas brilhantes e promessas de produtividade, sequestrou algo essencial: o silêncio. Não o silêncio do ambiente, mas o silêncio do cérebro, aquele espaço rarefeito onde a mente descansa, reflete e se reconstrói. Hoje, a pausa é uma relíquia, um luxo a que poucos se permitem. E a ausência dela pode estar nos custando mais do que imaginamos.

A vida moderna é uma corrida contra o vazio. Cada momento ocioso é preenchido: o trajeto ao trabalho é embalado por podcasts, a espera no consultório por scrolls infinitos, até a ida ao banheiro vem acompanhada do celular, com mensagens e vídeos disputando nossa atenção. As refeições, que eram momentos sagrados de conversa entre parentes ou amigos, agora são multitarefas: comemos enquanto assistimos a uma série, participamos de uma reunião ou respondemos e-mails. O silêncio, quando aparece, é incômodo, quase assustador. Ele nos confronta com nossos pensamentos, e muitos de nós já não sabem como lidar com isso.

Essa hiperconexão tem um preço. O cérebro humano não foi projetado para processar um fluxo constante de estímulos. Estudos em neurociência, como os conduzidos por pesquisadores da Universidade de Stanford, mostram que a multitarefa crônica reduz a eficiência cognitiva, prejudica a memória e aumenta os níveis de estresse. Quando não damos ao cérebro momentos de repouso, ele opera em um estado de sobrecarga, como um motor que nunca desliga. A longo prazo, isso pode levar a problemas como ansiedade, dificuldade de concentração e até burnout.

O silêncio, por outro lado, é um antídoto. Pesquisas publicadas no Journal of Neuroscience indicam que períodos de quietude estimulam a neurogênese, que é o nascimento de novos neurônios no hipocampo, área associada à memória e ao aprendizado. A contemplação silenciosa também fortalece a rede de modo padrão, um circuito cerebral ativo quando estamos “sem fazer nada”, mas que é essencial para a criatividade, a autorreflexão e a resolução de problemas complexos. Quando eliminamos essas pausas, perdemos a capacidade de integrar experiências, de dar sentido ao que vivemos.

Culturalmente, o silêncio foi desvalorizado. Ele é visto como improdutivo, um sinônimo de preguiça ou desinteresse. A sociedade celebra a agitação: estar sempre ocupado é um distintivo de sucesso. Mas essa mentalidade ignora uma verdade básica: o cérebro precisa de espaço para respirar. Sem ele, nos tornamos reféns de uma mente fragmentada, incapaz de focar profundamente ou de encontrar prazer nas coisas simples.

Os efeitos dessa ausência de pausa vão além do indivíduo. A falta de silêncio compromete nossa capacidade de empatia. Quando estamos constantemente distraídos, não ouvimos de verdade, nem a nós mesmos, muito menos aos outros. Relacionamentos se tornam superficiais, conversas se reduzem a trocas de informações. O mundo digital, com sua promessa de conexão, paradoxalmente nos isola, porque não há espaço para a presença genuína.

O que podemos fazer? Pequenos passos podem resgatar o silêncio. Experimente deixar o celular de lado durante as refeições. Caminhe sem fones de ouvido, apenas ouvindo o som do mundo ao seu redor. Reserve alguns minutos por dia para simplesmente estar, sem telas, sem metas, sem distrações. Essas práticas não são apenas pausas; são atos de resistência contra a hiperestimulação.

O silêncio do cérebro não é um vazio. É um espaço fértil, onde nascem ideias, insights e serenidade. Recuperá-lo é um convite para reconquistar nossa humanidade. Em um mundo que grita, o silêncio é revolucionário.

 

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