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 Site Futuro da Saúde

Publicado em 10/07/2025 - 10:25 / Clipado em 14/07/2025 - 10:25

Brasil busca avanços em IA, mas plano nacional e regulamentação podem entrar em conflito


Plano Brasileiro de Inteligência Artificial e Projeto de Lei buscam endereçar desafios da IA, mas descompasso pode frear inovação


Por Angélica Weise


A inteligência artificial já é uma realidade global com aplicações em diversos setores. Sua capacidade de aumento de produtividade, automações de processos e execução de tarefas muitas vezes melhor que um ser humano carrega também uma série de preocupações quanto a gestão de dados, privacidade e responsabilidades em casos de erros. Países têm buscado formas de regular o uso da tecnologia justamente para endereçar essas questões, ao mesmo tempo em buscam criar um ambiente jurídico que atraia investimentos e permita protagonismo. O Brasil ainda está buscando seu caminho com iniciativas em mais de uma frente em âmbito nacional.

Uma delas é o Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA), que busca fomentar inovação e desenvolvimento da tecnologia ao estabelecer um caminho estruturado e indicar diretrizes e prioridades. Outra é o Projeto de Lei 2.338/2023, que propõe a regulamentação do uso da inteligência artificial no Brasil. Embora com objetivos distintos, as duas iniciativas caminham em paralelo e correm o risco de entrar em conflito se não houver maior alinhamento entre suas diretrizes.

É o que aponta um relatório do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio (ITS Rio), que avaliou o PBIA e o PL em debate no Congresso Nacional. O estudo reforça a urgência de uma convergência clara entre essas duas iniciativas para evitar conflitos e entraves regulatórios. O levantamento revela que as 68 obrigações previstas no projeto de lei — número que ultrapassa as 43 previstas no AI Act europeu — podem comprometer a execução de 54% das ações imediatas do PBIA, impactando especialmente setores estratégicos como saúde, educação e segurança pública.

Para Fabro Steibel, diretor executivo do ITS, as obrigações regulatórias são necessárias para garantir segurança, mas podem se tornar barreiras à inovação quando aplicadas em excesso. “Quando se começa uma startup ou qualquer negócio, não se sabe se vai dar certo. Não é hora de impor peso, mas sim de oferecer apoio”, ressalta.

A desconexão entre iniciativas pode ser um fator determinante para o sucesso de ações na área, segundo Dora Kaufman, especialista em inteligência artificial e professora da PUC-SP. “Tem muita coisa interessante acontecendo no Brasil, mas, de forma isolada, sem que efetivamente seja promovido um ecossistema de inovação.”

Mais do que apenas regulamentação, Kaufman aponta que a soberania tecnológica em inteligência artificial depende de uma série de fatores como infraestrutura adequada, financiamento, ambiente regulatório estável e capacitação de gestores públicos e privados. Ela também ressalta a importância de políticas de incentivo à pesquisa e desenvolvimento que integrem universidades e mercado, com orçamentos robustos para programas estruturados e entregas parciais.
 

Plano nacional de IA

O Plano Brasileiro visa incentivar a aplicação da inteligência artificial no setor público, com foco na melhoria dos serviços essenciais e no fortalecimento das políticas públicas. Para isso, prevê um investimento de R$ 23,03 bilhões até 2028. Na saúde, destacam-se iniciativas como o Prontuário Falado no SUS, sistema de IA que automatiza a transcrição de teleconsultas, além de outras ações para ampliar o uso da inteligência artificial em sistemas de regulação e suporte ao diagnóstico.

Segundo Hugo Valadares, diretor do Departamento de Ciência, Tecnologia e Inovação Digital (DECTI) da Secretaria de Ciência e Tecnologia para Transformação Digital (SETAD) do MCTI, a ideia é incentivar soluções adaptadas à realidade brasileira e reduzir a dependência de tecnologias importadas. “Na saúde, a IA pode ajudar a gerenciar filas, prever surtos e otimizar recursos”, enfatiza.

As iniciativas que estruturam a estratégia estão organizadas em cinco eixos, cada um com programas específicos e metas para os próximos três e cinco anos. Cada ação é descrita com base em seis elementos — definição, desafio, meta, impacto esperado, recursos e componentes.

Anderson Soares, diretor de Pesquisa e Desenvolvimento do Centro de Excelência em Inteligência Artificial da Universidade de Goiás (CEIA-UFG), observa que o avanço recente do PBIA reflete justamente a adoção de um planejamento mais realista, alinhado ao contexto atual e às etapas necessárias para alcançar os objetivos definidos. Por outro lado, o pesquisador aponta que o Brasil está atrasado na corrida global pela inteligência artificial, o que cria uma sensação de urgência e dificulta a definição de prioridades. Para ele, no setor de saúde o debate ainda está mais focado na transformação digital do que na aplicação efetiva da IA: “Não adianta falar em inteligência artificial se questões como a interoperabilidade de dados em saúde não avançaram de forma satisfatória.”

A forma como o plano será executado é uma questão apontada também por Patricia Peck, advogada especialista em Direito Digital, CEO do Peck Advogados e membro do Comitê Nacional de Cibersegurança (CNCiber). Em sua visão, o sucesso a longo prazo depende da superação de desafios. “Entre eles, destacam-se a escassez e retenção de talentos em IA, a redução da dependência tecnológica externa, a garantia da continuidade dos recursos e a coordenação eficaz entre os diversos órgãos e entidades envolvidos”.

Outro ponto levantado por André Ponce de Leon Ferreira de Carvalho, diretor do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP em São Carlos, é que o plano ignora iniciativas já existentes no país em pesquisa e desenvolvimento em inteligência artificial. O foco está em ações futuras, sem considerar a realidade atual.
 

Projeto de Lei da IA

Já o Marco Legal da Inteligência Artificial está caminhando no sentido de ser a referência regulatória nacional para IA, ao definir limites e responsabilidades para o uso seguro da tecnologia. O texto inicial, em análise na Câmara dos Deputados, estabelece diretrizes voltadas à segurança, transparência e ética na aplicação da IA. Apesar das flexibilizações feitas pelo Senado em relação à sua versão inicial, os especialistas apontam que o projeto pode dificultar o avanço da inteligência artificial na área da saúde.

“Se um país impõe restrições excessivas, o investimento migra para outras regiões. É fundamental garantir segurança e evitar danos, mas é preciso encontrar um equilíbrio. Ouvir mais vozes nesse processo é essencial”, afirma Anderson Soares, da UFG.

Uma das preocupações está com a classificação de alguns sistemas de IA em saúde como de alto risco, o que pode desencorajar inovações e investimentos. “Quando você enquadra a inovação como alto risco, acaba inibindo sua utilização”, alerta Giovanni Cerri, presidente dos Conselhos do InRad e do InovaHC, do Hospital das Clínicas da USP.

Outra preocupação, segundo Steibel, do ITS, é que o projeto de lei impõe uma série de obrigações que considera rigorosas, incluindo avaliação preliminar de impacto, documentação minuciosa dos dados e criação de estruturas de governança. O processo exige ainda relatórios sobre riscos, medidas de mitigação, direitos afetados e impactos sistêmicos, além de avaliações algorítmicas acompanhadas de documentação complementar. Essa complexidade burocrática demanda múltiplas assinaturas, validações e revisões por diversas instâncias governamentais. Os altos custos com equipes jurídicas e de TI acabam tornando inviáveis startups e pequenas empresas, que não têm a mesma capacidade de diluir essas despesas como grandes corporações.

Com todo esse contexto, a advogada Patricia Peck aponta que alguns pontos do PL 2338/2023 podem gerar efeitos contrários aos desejados, como aumento da complexidade da implementação das tecnologias e de retração de investimentos. Ela salienta ainda que o modelo de classificação de riscos do projeto precisa ser ajustado para alinhar-se com a versão final do PBIA, o que abriria espaço para maior convergência entre esses dois instrumentos. “Precisamos dosar muito bem a regulamentação para que traga a segurança jurídica necessária, mas sem criar barreiras intransponíveis para a inovação”, conclui. 

 

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