
Publicado em 04/07/2025 - 10:34 / Clipado em 04/07/2025 - 10:34
Pesquisa sobre um receptor no cérebro pode ajudar na luta contra dores neuropáticas
Ao contrário dos opioides, nova abordagem foca correção das conexões neurais danificadas que causam dor persistente
Pooja Shree Chettiar
Canditada ao doutorado em Ciências Médicas da Texas A&M University
Siddhesh Sabnis
Doutorando em Ciências Médicas na Texas A&M University
The Conversation
A dor é fácil de entender, até que não seja mais. Um dedo do pé machucado ou um tornozelo torcido doem. Tudo isso faz sentido porque a causa é clara e a dor desaparece à medida que você se recupera.
Mas e se a dor não desaparece? E se mesmo uma brisa parecesse fogo na sua pele, ou sua perna tivesse uma sensação de queimação sem motivo algum? Quando a dor persiste sem uma causa clara, isso é o que se chama dor neuropática.
Somos neurocientistas que estudam como os circuitos da dor no cérebro e na medula espinhal mudam ao longo do tempo. Nosso trabalho se concentra nas moléculas que silenciosamente remodelam a forma como a dor é sentida e lembrada.
Não compreendíamos totalmente como a dor neuropática era diferente da dor relacionada a lesões até começarmos a trabalhar em um laboratório que a estudava. Os pacientes falavam de uma dor fantasma que os assombrava diariamente —invisível, inexplicável e capaz de perturbar suas vidas.
Essas conversas mudaram nosso foco dos sintomas para os mecanismos. O que faz com que essa dor fantasma persista, e como podemos intervir no nível molecular para saná-la?
Mais do que só dor física
A dor neuropática decorre de danos ou disfunções no próprio sistema nervoso. O sistema que deveria detectar a dor se torna a fonte dela, como um alarme de incêndio disparando sem que haja fogo. Até mesmo um toque suave ou uma brisa podem ser insuportáveis.
A dor neuropática não afeta apenas o corpo –ela também altera o cérebro. A dor crônica dessa natureza muitas vezes leva à depressão, ansiedade, isolamento social e uma profunda sensação de impotência. Mesmo as tarefas mais rotineiras podem se tornar insuportáveis.
Cerca de 10% da população dos EUA —dezenas de milhões de pessoas— sofrem de dor neuropática, e os casos estão aumentando à medida que a população envelhece. Complicações decorrentes de diabetes, tratamentos contra o câncer ou lesões na medula espinhal podem levar a essa condição. Apesar de sua prevalência, os médicos muitas vezes ignoram a dor neuropática porque sua biologia subjacente é pouco compreendida.
A dor neuropática também tem um custo econômico. Essa condição responde por bilhões de dólares em gastos com saúde, dias de trabalho perdidos e perda de produtividade. Na busca por alívio, muitos recorrem aos opioides, um caminho que, como visto na epidemia de opioides, pode trazer vícios com consequências devastadoras.
Encontrar tratamentos para a dor neuropática requer respostas para várias perguntas. Por que o sistema nervoso falha dessa maneira? O que exatamente faz com que ele se reconfigure de forma a aumentar a sensibilidade à dor ou criar sensações fantasmas? E o mais urgente: existe uma maneira de reiniciar o sistema?
É aqui que entra o trabalho do nosso laboratório e a história de um receptor chamado GluD1. Abreviação de receptor delta-1 do glutamato, essa proteína geralmente não é destaque nas manchetes. Os cientistas há muito consideram o GluD1 uma curiosidade bioquímica, parte da família dos receptores de glutamato, mas sem função conhecida semelhante à de seus parentes, que normalmente transmitem sinais elétricos no cérebro.
Em vez disso, o GluD1 desempenha um papel diferente. Ele ajuda a organizar as sinapses, as junções onde os neurônios se conectam. Pense nele como um encarregado de obras: ele não envia mensagens por si mesmo, mas direciona onde as conexões se formam e quão fortes elas se tornam.
Esse papel organizador é fundamental para moldar a maneira como os circuitos neurais se desenvolvem e se adaptam, especialmente em regiões envolvidas na dor e na emoção. A pesquisa do nosso laboratório sugere que o GluD1 atua como um arquiteto molecular dos circuitos da dor, particularmente em condições como a dor neuropática, em que esses circuitos funcionam mal ou se reconectam de forma anormal. Em partes do sistema nervoso cruciais para o processamento da dor, como a medula espinhal e a amígdala, o GluD1 pode moldar a forma como as pessoas experimentam a dor fisicamente e emocionalmente.
Corrigindo o mau funcionamento
Em nosso trabalho, descobrimos que interrupções na atividade do GluD1 estão relacionadas à dor persistente. Restaurar a atividade do GluD1 pode reduzir a dor. A questão é: como exatamente o GluD1 remodela a experiência da dor?
Em nosso primeiro estudo, descobrimos que o GluD1 não opera sozinho. Ele se une a uma proteína chamada cerebelina-1 para formar uma estrutura que mantém uma comunicação constante entre as células cerebrais. Essa estrutura, chamada de ponte transsináptica, pode ser comparada a um forte aperto de mão entre dois neurônios. Ela garante que os sinais de dor sejam processados e filtrados adequadamente.
Mas, na dor crônica, a ponte entre essas proteínas torna-se instável e começa a desmoronar. O resultado é caótico. Como uma conversa em grupo onde todos falam ao mesmo tempo e ninguém consegue ser ouvido claramente, os neurônios começam a falhar e a reagir exageradamente. Esse ruído sináptico aumenta a sensibilidade à dor do cérebro, tanto fisicamente quanto emocionalmente. Isso sugere que o GluD1 não está apenas gerenciando os sinais de dor, mas também pode estar moldando a forma como esses sinais são sentidos.
E se pudéssemos restaurar essa conexão quebrada?
Em nosso segundo estudo, injetamos cerebelina-1 em camundongos e observamos que ela reativou a atividade do GluD1, aliviando sua dor crônica sem produzir efeitos colaterais. Isso ajudou o sistema de processamento da dor a funcionar novamente, sem os efeitos sedativos ou interrupções em outros sinais nervosos que são comuns com os opioides. Em vez de apenas entorpecer o corpo, a reativação da atividade do GluD1 recalibrou a forma como o cérebro processa a dor.
É claro que esta pesquisa ainda está em fase inicial, longe de ensaios clínicos. Mas as implicações são empolgantes: o GluD1 pode oferecer uma maneira de reparar a própria rede de processamento da dor, com menos efeitos colaterais e menos risco de dependência do que os tratamentos atuais.
Para milhões de pessoas que vivem com dor crônica, esse pequeno e peculiar receptor pode abrir as portas para um novo tipo de alívio: aquele que cura o sistema, não apenas mascara seus sintomas.
Veículo: Online -> Portal -> Portal Folha de S. Paulo