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Portal O Globo - Rio de Janeiro/RJ

Publicado em 20/06/2025 - 09:36 / Clipado em 20/06/2025 - 09:36

Tempo é vida no atendimento a pacientes graves


Por Ludhmila Hajjar 

Atender emergências com eficiência não é apenas um dever técnico. É um compromisso ético e social. O desafio ultrapassa a esfera médica: é estrutural e cultural

 

Em situações de alta complexidade médica, a máxima é incontestável: tempo é vida. A ciência já demonstrou, de forma inequívoca, que cada segundo é determinante em casos de infarto agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral (AVC) e choque circulatório. Contudo, ainda é insuficiente a compreensão, por parte de muitos gestores e profissionais, da magnitude desse impacto em termos de proteção orgânica, prevenção de sequelas e redução da mortalidade. No infarto, a obstrução das artérias coronárias compromete a oxigenação do miocárdio. A meta internacional é clara: menos de 90 minutos entre a chegada ao hospital e a reperfusão (o chamado *door-to-balloon time*). Cada 30 minutos adicionais elevam substancialmente o risco de insuficiência cardíaca crônica e morte precoce. Protocolos bem estruturados que aceleram o diagnóstico pré-hospitalar, garantem transporte direto a centros com capacidade de intervenção e asseguram equipes disponíveis 24 horas por dia são os pilares que efetivamente salvam vidas.

No AVC isquêmico, o tempo também impõe sua tirania. A cada 60 segundos sem intervenção, seja trombólise intravenosa, seja trombectomia mecânica, aproximadamente 1,9 milhão de neurônios são perdidos. A janela terapêutica é restrita: até 4 horas e 30 minutos para a trombólise e até 24 horas para a trombectomia em casos criteriosamente selecionados. A implementação da "via rápida do AVC", com triagem pré-hospitalar qualificada, alerta neurológico imediato e tomografia sem atrasos, é determinante para evitar sequelas incapacitantes e dependência funcional.

No choque circulatório, seja séptico, cardiogênico ou hipovolêmico, a queda sustentada da perfusão tecidual exige resposta imediata. Na sepse, cada hora sem início de antibioticoterapia, reposição volêmica e suporte vasopressor aumenta em até 10% o risco de óbito. A atuação articulada entre o pronto-socorro e a unidade de terapia intensiva deve garantir acesso venoso adequado, monitorização hemodinâmica contínua, suporte ventilatório e fluxo ágil de insumos e medicamentos. Capacitar as equipes para diagnóstico precoce e tratamento imediato, além de garantir infraestrutura intensiva adequada, é um imperativo.

É essencial que o sistema de urgência funcione como uma rede integrada. A equipe que realiza o primeiro atendimento deve acionar, de forma coordenada, os níveis secundário e terciário. Protocolos de telemedicina podem viabilizar suporte neurológico e cardiológico em regiões remotas, reduzindo deslocamentos desnecessários e atrasos críticos. Treinamentos realísticos, protocolos baseados em evidências, educação continuada e atuação multidisciplinar estruturada garantem maior prontidão e resolutividade.

A integração intra-hospitalar também é vital: não pode haver tempo perdido com registros excessivos, trocas de plantão ou burocracias. Tomografias de pronto, laboratórios operando 24 horas, salas cirúrgicas e de hemodinâmica prontas com equipes de sobreaviso requerem investimento, público ou privado, mas resultam em vidas salvas, menor tempo de internação e melhor uso dos recursos. Indicadores como tempo porta-balão, tempo porta-agulha, tempo até o antibiótico e tempo para revascularização precoce devem ser monitorados sistematicamente. Sistemas de qualidade com dados acessíveis a gestores e clínicos sustentam a melhoria contínua.

No centro dessa transformação deve estar o hospital inteligente, uma instituição que deverá ser capaz de integrar ciência de dados, inteligência artificial, tecnologia de ponta e interoperabilidade em tempo real. Um hospital inteligente não apenas acolhe: ele antecipa, integra e acelera decisões. Monitora sinais vitais automaticamente, detecta deteriorações precoces, prioriza internações com base em algoritmos clínicos e otimiza o uso de leitos críticos. Comunica-se com a rede externa, regula vagas e aciona transporte especializado em poucos cliques. Em vez de respostas fragmentadas, oferece ações articuladas, baseadas em evidência e sustentadas por dados. Implementar esse modelo no Brasil é urgente. Ele garante que o paciente grave seja atendido por uma estrutura que compreende a gravidade do tempo e atua com excelência desde o diagnóstico até a reabilitação.

Nos dias 10 e 11 de julho, a Disciplina de Emergências Clínicas do HCFMUSP realizará, em São Paulo, o I Simpósio Internacional do Paciente Crítico, com a presença de 12 palestrantes internacionais de destaque. O objetivo é claro: sistematizar o atendimento ao paciente grave, em que cada minuto conta.

Atender emergências com eficiência não é apenas um dever técnico. É um compromisso ético e social. O desafio ultrapassa a esfera médica: é estrutural e cultural. Precisamos integrar serviços, formar equipes coesas, investir em tecnologia e construir uma lógica de resposta imediata. O futuro de um paciente crítico não pode depender do acaso. Deve ser definido por sistemas bem organizados, tecnologias conectadas e profissionais preparados. Porque, no fim das contas, cada minuto importa. E o tempo, quando bem gerido, salva.

 

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