
Publicado em 09/06/2025 - 10:05 / Clipado em 13/06/2025 - 10:05
Ensino, pesquisa e relação com SUS unem hospitais de ponta em cardiologia
Atenção a indicadores também é importante e dados deveriam ser tornados públicos pelas instituições, diz pesquisador
Marcos Hermanson
Juliana Vines
Bruna Correia
São Paulo
Os hospitais mais lembrados pela pesquisa Datafolha no quesito cardiologia –InCor, Einstein, Sírio Libanês e Hcor– unem ensino, pesquisa e monitoramento de indicadores assistenciais para entregar o melhor cuidado possível aos seus pacientes.
Os quatro hospitais têm centros de educação continuada e programas de residência médica, produzem artigos científicos baseados no trabalho da linha de frente e monitoram de forma permanente indicadores assistenciais (como o tempo entre a chegada de um paciente infartado ao hospital e a realização do cateterismo).
Outra característica comum é que mesmo os hospitais privados da lista mantêm algum nível de relação com o Sistema Único de Saúde. Gerem unidades básicas, capacitam equipes médicas e tratam pacientes do sistema público nas suas instituições.
O Hospital Albert Einstein, que divide o primeiro lugar da lista com o Instituto do Coração, com 15% de menções para cada um, se beneficia da integração do hospital com seus cursos de medicina e pós-graduação e do aprendizado acumulado nos hospitais públicos geridos pela instituição.
"Os médicos do Einstein fazem parte de todo esse sistema que vai além do mundo hospitalar", diz Pedro Lemos, diretor do programa de cardiologia e professor da pós-graduação do Einstein.
Hoje o custeio anual da cardiologia do hospital, que reúne 300 médicos contratados e tem diretoria própria, excede R$ 500 milhões. Outros R$ 43 milhões foram investidos em pesquisa e infraestrutura nos últimos 12 meses, segundo a instituição.
Único hospital público no topo das menções do Datafolha, o Instituto do Coração (InCor) prepara um centro de treinamento com cerca de 4.000 metros quadrados onde a equipe médica e os residentes simularão operações cardíacas com braços robóticos e aplicação de medicamentos em manequins realistas.
"Precisamos de gente muito bem treinada e dedicada", explica o médico Fábio Jatene, professor de cirurgia cardiovascular da USP e diretor do InCor, que é uma unidade do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
Ele também enfatiza a importância de incorporar tecnologias avançadas de diagnóstico e tratamento, com atenção ao equilíbrio entre custo e efetividade. "Precisamos usar a tecnologia da melhor maneira possível para não onerar o sistema, mas beneficiar o maior número de pessoas."
O pesado investimento dos hospitais na cardiologia é compreensível. Doenças do coração respondem por um terço dos óbitos no Brasil, com infarto e acidente vascular cerebral à frente (essas duas doenças estão ligadas ao acúmulo de gordura nas artérias, e a ocorrência de uma aumenta o risco de ocorrência da outra).
Parte disso tem a ver com aumento na prevalência de alguns fatores de risco, como má alimentação e sedentarismo. Todos os anos, o SUS gasta mais de R$ 1 bilhão com procedimentos cardíacos, segundo dados da Estatística Cardiovascular 2023.
Prestes a inaugurar seu próprio curso de medicina, o Hospital Sírio-Libanês se destaca pelo programa Coração Novo, de parceria com o SUS, que até agora transplantou 39 corações e implantou 70 dispositivos de assistência circulatória, pequenas máquinas desenhadas para cumprir funções do coração.
É de 84% a taxa de sobrevida após dois anos dos pacientes do SUS que receberam, no Sírio, dispositivos de assistência ventricular esquerda. Esse equipamento implantado cirurgicamente complementa o trabalho do ventrículo esquerdo do coração, estrutura responsável por bombear sangue para todo o corpo, exceto para o pulmão.
A experiência rendeu estudo concluindo que em países de renda média é possível descentralizar para hospitais menores o cuidado de pacientes com dispositivos de assistência circulatória após a operação.
"O projeto, além da função assistencial, pretende formar novas equipes para o uso dessa tecnologia, permitindo que seja replicada em outras instituições públicas", diz a médica Silvia Ayub, coordenadora do programa de transplante cardíaco da instituição.
Quarto da lista em número de menções, o Hospital do Coração (Hcor) está investindo no tratamento não invasivo de doenças estruturais do coração, como a estenose aórtica e a miocardite.
"São doenças que não eram tratáveis ou então exigiam uma cirurgia aberta", diz Gabriel Dalla Costa, superintendente médico do Hcor. Um centro especializado nessas doenças será financiado com parte dos R$ 108 milhões que a Finep, agência ligada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, pretende colocar no hospital.
Pesquisadores vinculados ao Hcor publicaram 161 artigos no ano passado, alguns em periódicos de prestígio, como o Jama e o British Medical Journal. O hospital também tem parceria com o SUS, promovendo capacitação de equipes médicas de todo o país de forma remota.
"Todo hospital que conduz pesquisa tem qualidade assistencial confirmada, não são coisas dicotômicas", diz Álvaro Avezum, professor de pesquisa e medicina cardiovascular na USP e diretor do Hospital Oswaldo Cruz.
Avezum diz que a qualidade do hospital se sustenta sobre três pilares: indicadores de assistência baseados em evidência científica —que deveriam ser públicos, como em outros países—, pesquisa focada em doenças de alto risco, prevalência e complexidade, e um programa robusto de educação médica.
"Tem que tomar muito cuidado. O hospital pode estar com nome muito bom e qualidade assistencial deixando a desejar", diz Avezum.
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