
Publicado em 14/03/2022 - 17:08 / Clipado em 14/03/2022 - 17:08
O desafio de reestruturar a moradia para famílias que vivem em áreas de risco
Levantamento do IBGE mostra que 72 mil pessoas vivem em áreas de risco em Petrópolis
Município tem 234 áreas de risco alto e muito alto - 18% do território da cidade
Jaqueline Ribeiro – especial para o Diário
O temporal que atingiu a cidade no dia 15 de fevereiro, deixando 233 mortos, quatro desaparecidos e quase três mil famílias desabrigadas ou desalojadas trouxe à tona um desafio, já apontado em diferentes estudos conhecidos pelo poder público: a necessidade de investimento em programas habitacionais para a realocação de famílias que vivem em áreas de risco. Levantamento feito pelo IBGE em 2018 aponta que 22.298 imóveis existentes em Petrópolis estão em áreas de risco, e que 72.070 pessoas vivem em moradias que não estão seguras. Também são expressivos os números que fazem parte do Plano Municipal de Redução de Risco de Petrópolis: 234 áreas de risco alto e muito alto, o que corresponde a 18% do território do município. Nestas áreas vivem cerca de 47 mil pessoas.
O mapeamento das áreas de risco feito por uma empresa contratada pela prefeitura teve a primeira etapa concluída há 15 anos. Em 2007, o diagnóstico de áreas de risco e risco iminente existentes no primeiro distrito e já apontava entre as áreas críticas, localidades adensadas nas quais vidas foram pedidas no último dia 15. Entre estes locais está o Morro da Oficina, onde pelo menos 93 pessoas morreram. Em 2017 o levantamento foi ampliado e consolidou também dados dos demais distritos. Com isso, desde maio de 2017 o município tem um mapeamento dos cinco distritos (Centro, Cascatinha, Itaipava, Pedro do Rio e Posse) apontando onde famílias convivem com os riscos de deslizamentos, escorregamentos, desabamentos, inundações, entre outras consequências de desastres naturais.
“Os dados de Petrópolis são assustadores na demonstração de risco para moradia e ao mesmo tempo, assustadores na inércia para a solução desta situação. Não podemos pensar em plano de habitação somente como construção de moradias. É possível reduzir riscos com investimento em infraestrutura? Temos corpo técnico que possa ajudar nisso? Outra questão é a falta de perspectiva do petropolitano pobre. O que resta é área de risco. O restante é proibido por proteção ambiental que só é cobrada do pobre porque investimentos grandiosos conseguem autorização com o que chamam de compensação ambiental. Nós não temos no orçamento deste ano de 2022 recursos no município voltados pra habitação. Sempre dependemos dos projetos do governo federal ou Estadual, que nem sempre respeitam as características da população, não são construídos de maneira a garantir o mínimo de conforto e qualidade de vida e ainda retalha os tecidos sociais, retirando as pessoas de sua vizinhança, rotina, história”, avalia a coordenadora executiva do CDDH, Carla Carvalho.
Engenheiro do CREA frisa importância de planejamento e infraestrutura
O engenheiro do CREA, Luís Carneiro destaca a importância do ordenamento e do planejamento por parte do poder público para minimizar o risco de perdas de vidas humanas na cidade. "Em Petrópolis temos a ocupação desordenada de encostas. É preciso tirar as famílias das áreas de risco. A cidade tem uma geografia muito peculiar e, por isso, antes das construções é necessário avaliar o terreno. Se ele estiver em área de declive, é preciso fazer a contenção e esta obra de contenção deve ser bem feita. Se a construção estiver em área plana, é preciso atenção à drenagem. O projeto precisa estabelecer como será a drenagem para o escoamento da água", explica, lembrando que no caso de construções de unidades habitacionais populares, o poder público precisa dar especial atenção à infraestrutura de serviços.
"É preciso que haja todo um planejamento de infraestrurtura, que se pense em escola, atendimento de saúde, que a parte social também seja considerada, pois, sem isso, as pessoas acabam voltando a morar nas áreas de risco. É preciso que haja facilidade no deslocamento, para que as pessoas tenham transporte para ir trabalhar, por exemplo. Não é apenas construir moradias em locais seguros e colocar as pessoas lá. A infraestrutura é fundamental para que elas permaneçam nestes locais", pontua o engenheiro Luís Carneiro
Terrenos esperam construção de moradias populares há 11 anos
Ao passo que os estudos apontam necessidade de urgência para a realocação de moradores que vivem em áreas de risco, projetos para a construção de moradias populares não avançaram na cidade. Há 11 anos, três áreas foram desapropriadas com este objetivo: um terreno no bairro Mosela, um na região de Itaipava/Benfica e um no Vale do Cuiabá. Em 2013, uma outra área foi desapropriada, desta vez pela prefeitura, na localidade conhecida como Caititu. Somadas, as unidades previstas para cada um destes terrenos são 1.028 moradias que abrigariam vítimas das chuvas, mas, não saíram do papel. Questionada, a prefeitura alega que os terrenos estão sob a responsabilidade do Estado.
O que diz o Estado
A Secretaria de Infraestrutura e Obras do Estado informou que desde 2011 foram construídos em Petrópolis 970 unidades habitacionais para vítimas das chuvas. Foram 776 apartamentos no Vicenzo Rivett, 144 no distrito da Posse e 50 imóveis no Vale do Cuiabá. Em relação aos terrenos desapropriados após a tragédia, em 2011, a Secretaria de Estado informou que os projetos para construções estão sendo revistos. “Os terrenos foram pedidos pela Prefeitura em 2013, para a construção de unidades. Em 2018, o estado pediu novamente os terrenos, para projetos que seriam do Minha Casa, Minha Vida. Com a descontinuidade do programa, o Estado está fazendo a sondagem e a topografia para elaborar não apenas o projeto habitacional, mas toda a infraestrutura”, diz o Estado em nota.
A Secretaria de Infraestrutura e Obras do Estado informou os terrenos faziam parte de um pacote de obras a serem executadas - um total de 1.028 unidades habitacionais em quatro áreas da cidade. O terreno denominado “Caititu” foi adquirido pela Prefeitura de Petrópolis em 2013 por R$ 2,2 milhões. Ainda segundo o Estado, o chamamento público para a realização de obras nesse terreno ocorreu via prefeitura em 2018 para construção de 720 unidades habitacionais. Na semana passada a prefeitura informou que a área no Caititu está sendo novamente cedida ao Estado para a construção de moradias. Uma nova analise está sendo feita no local, em função de questões ambientais.
Em relação aos terrenos da Mosela, Itaipava/Benfica e Vale do Cuiabá II, o Estado informou que as áreas foram desapropriadas em 2011 e disse que realizou chamamentos públicos para estas obras em 2011 e 2012 para construção respectivamente de 140, 120 e 40/48 unidades habitacionais. Os chamamentos foram fracassados. O estado informou ainda que:” em 2013, o prefeito Rubens Bomtempo - atual prefeito - solicitou a cessão dos terrenos para que o município construísse as unidades habitacionais. O Estado retomou-os em 2018, onde editou novos chamamentos. Entretanto, devido aos distratos e descontinuidade do programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) estas unidades não foram contratadas”, diz o Estado em nota.
O que diz a Prefeitura:
A Prefeitura de Petrópolis informa que entre os anos de 2001 e 2008 foram quase 600 unidades habitacionais entregues no Castelo São Manoel (em Corrêas), Rua Ceará (Quitandinha), Carangola e Pedras Brancas.
Após a tragédia de 2011, o governo do Estado anunciou a construção de 720 unidades habitacionais no Caetitu (Corrêas), 120 no Benfica (Itaipava), 40 no Cuiabá (Itaipava) e 140 na Mosela. Desse total, apenas 50 casas foram construídas até o momento em um terreno doado pela iniciativa privada.
Os terrenos da Mosela, Benfica (Itaipava) e Vale do Cuiabá são de responsabilidade do Governo do Estado, que os desapropriou.
Com relação ao terreno do Caititu, em Corrêas, a Prefeitura informa que em 2014 fez o primeiro chamamento público para a contratação da empresa que faria a construção das casas. O chamamento aconteceu e a empresa chegou a ser contratada. No entanto, o Ministério do Desenvolvimento Regional (à época chamado de Ministério das Cidades), responsável pela verba para a construção das casas, não deu andamento ao processo.
Em 2016, a Prefeitura de Petrópolis fez um segundo chamamento, que também não foi levado adiante pelo governo federal. Em 2018, o município fez nova tentativa, também sem sucesso.
Ainda segundo a prefeitura, o déficit habitacional e a ocupação de áreas de risco, algumas habitadas desde os anos 1950/1960, são problemas crônicos e históricos em Petrópolis. A prefeitura informa ainda que neste momento, se concentra na assistência aos desabrigados, na desobstrução de vias e limpeza dos locais afetados e no acompanhamento das buscas pelos desaparecidos, coordenadas pelo Corpo de Bombeiros.
"Nós sabemos que o problema da grande desigualdade social que existe no Brasil impede que as pessoas possam ascender e melhorar de vida. Isso é uma realidade. Cabe aí uma macro política econômica para reverter tudo isso. As pessoas vão morar em área de risco não porque elas querem, é simplesmente porque, historicamente, o povo mais pobre desse país não teve a mesma oportunidade daqueles que tiveram o poder de alguma forma”, pontua o prefeito Rubens Bomtempo.
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