Publicado em 10/12/2025 - 18:08 / Clipado em 10/12/2025 - 18:08
Engenheiros alertam para risco imediato de desabamento da Ponte de Madeira em Niterói
Estrutura que liga a Ilha do Caju à Ilha da Conceição tem falhas graves e pode provocar desastre ambiental na Baía da Guanabara; Crea-RJ cobra interdição urgente
Rio – "A ponte de madeira vai cair." O alerta contundente é do engenheiro Miguel Fernandez, presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Rio de Janeiro (Crea-RJ) e responsável pela fiscalização da ponte que liga a Ilha do Caju à Ilha da Conceição, em Niterói, na Região Metropolitana. Segundo ele, a estrutura por onde passam diariamente caminhões pesados carregados de combustível e produtos químicos, além de veículos menores e pedestres, não tem mais condições de permanecer aberta. O conselho recomenda interdição imediata para evitar uma tragédia.
A via, com cerca de 100 metros de extensão e localizada próxima à Ponte Rio–Niterói, exibe um conjunto grave de falhas estruturais: ferragens expostas, erosão avançada, concreto deteriorado, pilares comprometidos, contraventamentos inexistentes e piso metálico se soltando. O guarda-corpo já desapareceu em alguns trechos, e a passagem de pedestres tornou-se praticamente inviável.
Fernandez afirma que o problema se arrasta há anos e que, mesmo após quatro vistorias realizadas somente no último ano, nenhuma medida efetiva foi tomada pela Prefeitura de Niterói.
"A plataforma está completamente comprometida. Temos pilares cedendo e piso soltando. É um risco gigantesco de desabamento. Não há responsável técnico, não há empresa encarregada. É abandono total e, ainda assim, não está interditada. Passam pessoas, carros e caminhões com produtos químicos. Esse é o grande risco", afirma Miguel Fernandez.
O Crea-RJ diz ter notificado tanto a Prefeitura quanto o Ministério Público desde o ano passado. "A recomendação é de interdição imediata. Não dá para esperar a tragédia, porque ela vai cair", completa.
Colapso ambiental grave: “Danos podem ser devastadores”
Sob a estrutura transitam embarcações de pesca e de serviço. Uma queda poderia atingir essas embarcações e provocar um desastre ambiental de grandes proporções, especialmente pela presença diária de frotas com carga perigosa sobre a ponte.
Especialistas alertam que o impacto ambiental seria devastador. Francisco Argolo, engenheiro ambiental, sanitarista e professor, explica que a situação representa atualmente um dos cenários mais evidentes de risco simultâneo à vida humana e ao meio ambiente da Baía da Guanabara.
Segundo ele, a estrutura, construída há décadas, encontra-se em processo avançado de deterioração: madeira em decomposição biológica, ligamentos metálicos corroídos e desgaste acelerado pelo contato contínuo com a água salgada e pela umidade típica do ambiente estuarino.
"A degradação não é recente. Por anos, a estrutura libera para o mar compostos orgânicos provenientes das vigas antigas, além de óxidos de ferro e partículas metálicas provenientes da corrosão", afirma.
Argolo diz que esse processo contínuo já configura um impacto crônico ao ecossistema: "Entretanto, o risco atual é outro: um colapso abrupto, que transformaria um problema histórico em um desastre agudo, agora em Niterói, onde, ironicamente, construímos um dos colossos da engenharia, a Ponte Rio–Niterói."
Ele destaca também que a queda da ponte causaria um enorme impacto na Baía da Guanabara, uma das áreas de maior importância ecológica do estado. "Ela funciona como berçário natural de inúmeras espécies marinhas, zona de alimentação de aves e base ecológica para toda a cadeia biológica da região. A introdução súbita de óleo, graxa, microplásticos, peças metálicas, pneus, fraldas, embalagens ou qualquer carga transportada, muitos desses materiais com tempo de degradação de séculos, provocaria um impacto severo, reduzindo oxigênio dissolvido, aumentando a turbidez, contaminando sedimentos e podendo levar à mortandade de peixes, crustáceos e organismos filtradores", alerta Francisco.
O engenheiro ressalta ainda que a Baía da Guanabara não comporta mais erros históricos. "Cada nova negligência cobra um preço ambiental alto demais. É fundamental que o poder público interdite a ponte, retire a estrutura de forma controlada, implemente ações de contenção e garanta a segurança da população, antes que o pior aconteça", orienta.
De acordo com Francisco, todo esse cenário, amplamente previsível, reforça a necessidade de ação imediata: "A notificação realizada pelo Crea-RJ há um ano apontava os riscos estruturais e a urgência das intervenções. Nada foi realizado até agora. A engenharia não trabalha com suposições: trabalha com fatos, inspeção e prevenção."
Medo diário entre trabalhadores
Para quem depende da ponte, o risco está em cada travessia. Roberta Muniz, recepcionista de um estaleiro da Ilha da Conceição, usa a estrutura há um ano e meio e descreve uma rotina de apreensão.
“Eu tenho muito medo. Muita gente passa ali todos os dias. A gente já tentou ajuda do município, mas nada foi feito. Eu acho que, em vez de priorizarem decoração de Natal na cidade, os responsáveis deveriam cuidar de algo tão sério. É uma tragédia anunciada", afirma Roberta.
A deterioração é tão avançada que a passagem de pedestres se tornou impraticável. “A calçada está cheia de buracos. Tenho que atravessar pela pista dos automóveis. É muito arriscado, uma angústia diária. Na parte da tarde, eu sempre vejo crianças ali em cima brincando e fico preocupada. Além disso, o estaleiro Brasas deve reabrir nos próximos dias; o número de pessoas e veículos usando a ponte irá aumentar. Como será isso?", completa.
Outro funcionário de uma companhia local, que preferiu não se identificar, relatou a grande dificuldade em atravessar a ponte com carros e caminhões pesados devido ao estado precário da estrutura. Segundo ele, já foram feitos diversos pedidos de reparo, mas ninguém aparece para resolver. "Dá para ouvir de longe o barulho quando os caminhões estão passando. É um desastre previsível", diz.
Estrutura estratégica para a indústria naval
A Ilha da Conceição abriga um dos maiores polos de estaleiros do Estado do Rio, responsável por construção, reparo e manutenção de embarcações. A ponte é crucial para o transporte de peças, máquinas, insumos e para o deslocamento de centenas de trabalhadores. A paralisação da estrutura poderia comprometer operações industriais e interromper fluxos logísticos essenciais.
O que diz a Prefeitura
O Crea-RJ informa que, em novembro de 2024, a Prefeitura de Niterói anunciou que havia concluído o pré-projeto e iniciaria a obra de reforma da ponte no mês seguinte, mas até hoje isso não aconteceu. Procurada pelo DIA, a prefeitura informou, por meio de nota, que realizou reparos emergenciais no ano passado e que já estão concluídos os estudos do Projeto Executivo para recuperação da ponte. De acordo com o município, o processo de licitação está em andamento e a previsão é de que as obras comecem no primeiro semestre de 2026.
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