
Publicado em 22/05/2024 - 14:40 / Clipado em 22/05/2024 - 14:40
Cenário da economia fica mais nebuloso para 2024 e 2025
Uma sequência de notícias negativas e riscos latentes que começam a se materializar formaram um caldeirão que tem feito piorar as expectativas dos agentes econômicos para a economia em 2024 e 2025. O mais recente sinal desse processo é a mediana das projeções do mercado para o crescimento do PIB de 2024, que esta semana caiu pela primeira vez em quase um ano.
Para analistas, o cenário eleva a pressão sobre o Banco Central (BC) para que adote uma postura mais cautelosa no ciclo de cortes de juros. Há também, no entanto, quem veja algum exagero nesses movimentos.
Segundo o Relatório Focus, do BC, a mediana das projeções do mercado para o crescimento da economia em 2024 caiu de 2,09% para 2,05%. Este é o primeiro recuo na projeção para este ano desde 16 de junho do ano passado, quando passou de 1,27% para 1,20%.
Já a mediana para o IPCA subiu de 3,76% para 3,80%. Para 2025, a expectativa com inflação avançou de 3,66% para 3,74%. No caso da taxa básica de juros (Selic), o ponto médio passou de 9,75% para 10% no fim de 2024.
"Essa piora das expectativas não vem de hoje. Começou com mudança de cenário sobre cortes de juros nos EUA e preocupações crescentes sobre o cenário fiscal brasileiro. Mas acabou acelerada com a divisão da diretoria do Banco Central na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) e, agora, com a tragédia no Rio Grande do Sul", diz o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale. "Este último bate diretamente sobre as perspectivas de crescimento do país em 2024 e também de inflação, já que os analistas já incorporam choques de curto prazo nos preços de alimentos. São coisas que interromperam de vez a sequência de projeções cada vez melhores para a atividade.”
Para ele, o cenário é quase de "tempestade perfeita". "Só que criada pelo governo, que tem parcela muito importante de responsabilidade no resultado fiscal mal calibrado desde o arcabouço fiscal, exemplificado pela mudança da meta de primário para 2025”, diz. “E isso deságua em problemas como o do Rio Grande do Sul, em que a situação exige um nível de socorro que as finanças públicas não estão preparadas para atender.”
"De fato, há um ambiente de deterioração de expectativas, e isso ficou mais evidente com o Focus. Foi a terceira semana seguida de aumento da mediana do IPCA para o ano que vem, que é o horizonte de maior interesse do BC", nota Silvio Campos Neto, economista sênior e sócio da Tendências Consultoria.
Ele também destaca a cisão na diretoria do BC sobre o ritmo de cortes da Selic, que concretizou dúvidas já existentes desde o fim do ano passado sobre como será a postura na autoridade monetária com a troca de comando da instituição. "É mais do que natural que o mercado fique em dúvida em virtude de sinalizações e pressões políticas elevadas no sentido de uma linha mais intervencionista, como visto no episódio de troca na Petrobras, ou em tentativas de impulsionar a atividade econômica com uso das estatais em contexto de baixa ociosidade econômica.”
Nos cálculos de Fabio Romão, economista sênior da LCA Consultores, a piora recente das projeções para a inflação de 2024 e 2025 pelo Focus ficaram concentradas sobre os preços livres do IPCA. Enquanto a deste ano passou de 3,67% para 3,72%, o do ano que vem saiu de 3,57% para 3,68%.
"Entendemos que esta elevação das expectativas para 2024 e 2025 tem a ver com a desvalorização cambial e incertezas na formação de preços de alguns itens alimentícios - na esteira das intempéries climáticas que assolam o Sul", diz. A consultoria elevou sua estimativa para a alimentação no domicílio em 2024 de 3,9% para 4,5%, mas manteve a de 2025 em 4,9%.
Para 2025, Romão espera uma aceleração, ainda que moderada dos preços administrados em 2025, após as eleições municipais. Outra fonte de pressão deve ser a retomada da alta dos bens industriais, que tem apresentado preços contidos desde 2023, avalia.
Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), ressalta que o atual cenário de expectativas coloca em xeque a qualidade do crescimento econômico à frente.
"Quando se impulsiona mais o fiscal, acaba-se tendo um juro real muito mais alto na economia para manter a inflação mais baixa. É um sinal que se cobra um prêmio de risco maior, o custo de rolagem da dívida pública é maior também. É o pior dos mundos - custo de desinflação alto em termos de atividade", critica.
Diante deste quadro, os economistas avaliam que a autoridade monetária precisará ser mais dura na mensagem sobre o combate à inflação e isto inclui, talvez, repensar a reta final do ciclo de cortes de juros. Mas também ponderam que as incertezas que pairam sobre a troca de guarda no BC prejudicam esse processo.
"Hoje, há um temor em relação a se o BC vai baixar a guarda nessa questão da redução dos juros. Se essa preocupação crescer, teremos curvas de juros de médio e longo prazo subindo de forma expressiva. Isso eleva o custo da dívida e tem custo para a atividade econômica, porque o custo para as empresas investirem será mais alto", diz Campos Neto, da Tendências.
Embora o noticiário seja majoritariamente negativo, há quem pregue cautela para analisar a piora do quadro de expectativas. Um dos motivos é justamente o fato de que, embora as incertezas tenham crescido, os indicadores econômicos atuais seguem permitindo até algum otimismo.
"Acredito que parte das preocupações são naturais de um momento do ciclo em que crescimento vem mais da demanda, em especial de um mercado de trabalho que segue surpreendendo e que suscita dúvidas sobre o comportamento da inflação futura”, diz Cristiano Oliveira, economista-chefe do banco Pine. "Mas, ao mesmo tempo, vejo certo exagero. Me parece existir certa contradição em aumentar a expectativa para a Selic e também o IPCA no médio prazo. Mesmo trabalhando com um juro real maior que o do BC, como é o nosso caso, o certo é imaginar que apenas um dos lados [inflação e juros] está certo, não os dois."
Para Oliveira, as enchentes no Rio Grande do Sul terão impacto maior sobre a atividade que sobre a inflação. A parte da desancoragem que está sendo atribuída aos preços de alimentos deve desaparecer, avalia, visto que será temporária e outros demais preços continuam comportados. Já o dano sobre a atividade será maior, diz. "Muito se espera do impulso fiscal, mas tenho minhas dúvidas. A gente tem que levar em consideração que mesmo a ajuda do governo de R$ 5,1 mil [por família afetada] é algo pequeno para recuperar a vida inteira, negócios inteiros que foram fechados."
O mercado reage às incertezas e está certo em pedir um prêmio maior por isso, mas não necessariamente está certo sobre o que vai acontecer, resume.
Veículo: Online -> Site -> Site Valor Econômico - São Paulo/SP