
Publicado em 17/03/2024 - 09:58 / Clipado em 18/03/2024 - 09:58
Materiais vencidos, falta de manutenção e milhares sem atendimento: A situação precária da rede federal de hospitais do Rio
Materiais vencidos custaram mais de R$ 20 milhões, enquanto orçamento dos seis hospitais federais do estado passa de R$ 860 milhões. Mais de 18 mil pacientes estão aguardando procedimentos cirúrgicos.
Por Fantástico
Do lado de fora, milhares de pacientes esperam por meses, e até anos, por um tratamento. Do lado de dentro, leitos equipados em salas trancadas a cadeado, materiais médicos vencidos e prédios sem manutenção básica de segurança.
O Fantástico entrou nas seis unidades dos hospitais federais do Rio de Janeiro, referências no atendimento de alta complexidade, como tratamento de câncer, cardiologia e transplantes. Para 2024, o orçamento passa de R$ 862 milhões.
No ano passado, os hospitais realizaram quase 48 mil internações e cerca de 43 milhões de atendimentos ambulatoriais. Ainda assim, mais de 18 mil pacientes aguardam algum tipo de procedimento médico.
Em muitos setores dos hospitais, há aparelhos médicos quebrados e caixas de materiais vencidos ou danificados — como utensílios cirúrgicos e próteses ortopédicas, cujo valor passa dos R$ 20 milhões.
"Com 81 anos e ter que passar por isso. É humilhante, porque eu chego na portaria me arrastando no chão, sem conseguir andar. A resposta é a mesma: ainda não tem a prótese", relatou dona Elza, que há 10 anos espera por uma cirurgia no joelho.
A responsabilidade sobre quem deixou as próteses e materiais cirúrgicos perderem a validade ainda está sendo investigada.
Outro problema é a rede elétrica, que em muitos pontos está comprometida, colocando em risco a segurança de pacientes e funcionários.
No Hospital Federal de Bonsucesso, na Zona Norte do Rio, um laudo da empresa responsável pela manutenção da rede já apontava, em maio do ano passado, a situação crítica, com cabos subdimensionados e superaquecidos, aumentando o risco de incêndios.
A empresa recomendou não abrir mais setores no hospital para garantir que a estrutura não cedesse. Com isso, a ala da emergência está fechada há mais de três anos, sem previsão para ser reaberta.
As condições precárias podem ainda fazer chegar menos tensão do que alguns equipamentos precisam, o que significa que aparelhos de UTI, por exemplo, podem estar funcionando abaixo da capacidade ideal, ou sequer estar funcionando.
Por outro lado, a precariedade da rede elétrica potencializa o risco de outro problema: incêndios, como o que aconteceu no hospital em 2020, deixando três pessoas mortas.
"Não tem condições de funcionar nada num lugar como esse. É um risco de insalubridade e periculosidade, muito menos de um hospital. Parece uma cena de filme de terror. Aquilo não é uma negligência de curto prazo. Isso aí é um problema de longo prazo que tá aí sendo exposto agora nessas imagens muito fortes", diz Miguel Fernández, presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (CREA-RJ).
Hoje, a unidade de Bonsucesso tem 83 leitos fechados justamente por não haver condições, da rede elétrica, de suportá-los. No Hospital Federal da Lagoa, todos os 20 quartos de semi-UTI estão lacrados com cadeados, até que haja a contratação de médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem.
Já no Hospital dos Servidores, a empresa responsável pela manutenção dos aparelhos foi contratada sem licitação e recebe quase R$ 500 mil por mês do Hospital dos Servidores.
No começo de março, o Ministério Público Federal pediu informações ao diretor da unidade sobre o contrato.
"Uma falha de um equipamento de ar condicionado, por exemplo, pode representar um problema de infecção hospitalar. Estamos trabalhando em uma parceria com o Conselho de Medicina para fazer uma fiscalização específica, requerendo dos hospitais que tenham um profissional ou uma empresa responsável técnica por essa manutenção e operação", disse Miguel Fernández.
Em julho de 2023, o Ministério da Saúde fez um relatório sobre os hospitais federais do Rio de Janeiro. O documento reforçou a situação de calamidade e precarização em diferentes setores.
Em todo o estado, segundo levantamento da pasta, quase 300 leitos estão fechados, cerca de 20% da capacidade total das unidades.
Por trás de todo esse cenário, há ainda uma disputa de grupos políticos pelo controle e administração desses hospitais. Disputa que resulta em uma longa lista de denúncias sobre o loteamento das unidades, com décadas de cargos cobiçados na direção dos hospitais por esses grupos, alvos de investigações sobre corrupção.
Para tentar mudar a forma como os hospitais federais são administrados, o Ministério da Saúde determinou que as decisões, principalmente relacionadas a compras e contratações, sejam centralizadas no Departamento de Gestão Hospitalar, o DGH. A portaria entraria em vigor na última quarta-feira (13), mas foi adiada para 8 de abril.
A ministra da Saúde, Nísia Trindade, explicou que a mudança é para permitir a formação de um comitê com integrantes de várias áreas, que vão acompanhar a implementação das medidas.
O Tribunal de Contas da União, que fiscaliza as atividades dos hospitais federais no Rio de Janeiro, vai acompanhar de perto a mudança na gestão das unidades.
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