
Publicado em 22/03/2023 - 12:59 / Clipado em 22/03/2023 - 12:59
Temporais no Rio: entenda por que nove áreas da cidade sempre alagam
Redes antigas e ocupação de encostas agravam os efeitos de fortes chuvas no município
Por Luiz Ernesto Magalhães, João Vitor Costa e Camila Araujo — Rio de Janeiro
A cena se repete ano após ano no verão, quase sempre nos mesmos lugares. Os transtornos causados por chuvas intensas como as de terça-feira não têm uma única causa, muito menos podem ser atribuídos apenas à meteorologia, afirmam especialistas. No Catete e no Centro, por exemplo, as redes de drenagem são antigas, insuficientes para evitar que ruas encham antes de as águas escoarem. A solução está em estudo.
Na Grande Tijuca, o desmatamento e a ocupação de encostas por favelas têm dois efeitos. Com menos vegetação, a água não é absorvida pelo solo e chega mais rapidamente às partes baixas. Além disso, a redução da área de mata acelera a erosão, o que leva mais sedimentos aos rios. Isso sem falar em deslizamentos, como os que fizeram três vítimas desta vez.
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Os problemas de infraestrutura se tornam mais evidentes quando a cidade recebe um aguaceiro. Anteontem, choveu em poucas horas 70% da previsão para todo este mês. E meteorologistas afirmam que fevereiro será de temporais. Teve ainda o efeito da maré alta. Isso dificulta o escoamento, o que explica em parte o fato de 13 rios terem transbordado anteontem, inclusive o canal da General Garzon, que recebe as águas da Rua Jardim Botânico.
E, para tumultuar de vez a volta do carioca para casa, o Centro de Operações Rio (COR) registrou anteontem 116 bolsões d’água e 19 alagamentos na cidade. Os bairros mais afetados foram Centro, Pavuna, São Cristóvão, Benfica e Tauá, na Ilha do Governador. Um dos fatores apontados para o caos no Rio foi que a tempestade caiu antes da coleta de lixo, arrastando detritos para os bueiros.
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A secretária municipal de Infraestrutura, Jessick Trairi, diz que, em dois anos, a prefeitura investiu cerca de R$ 100 milhões em obra nas redes de água pluvial:
— Foi possível observar melhorias não só na drenagem como na contenção de encostas de vias como a Niemeyer. Na Lagoa, a Borges de Medeiros, na altura do Parque dos Patins, já não alagou.
Catete
A rede de drenagem é ultrapassada e de modernização difícil, avalia o presidente da Rio-Águas, Wanderson José dos Santos. Ele explica que parte do problema se deu porque em 1965, quando o Aterro do Flamengo foi inaugurado, o bairro acabou ficando em um nível mais baixo que a área de lazer vizinha.
Segundo ele, a drenagem foi concebida para um bairro que ficava muito mais próximo da beira do mar. E, hoje, qualquer intervenção ali é dificultada pela existência do metrô, que dividiu a rede de drenagem do bairro. A prefeitura ainda estuda uma solução. Já o professor Paulo Canedo, do Departamento de Hidrologia da Coppe-UFRJ, considera que o ideal seria criar um sistema de contenção semelhante ao empregado na Grande Tijuca. Parte da água do Rio Carioca seria armazenada nesse depósito, reduzindo alagamentos.
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Grande Tijuca
Nos últimos anos, a prefeitura construiu três “piscinões” com capacidade de armazenar 119 milhões de litros de água — 42,3% do previsto no projeto original (281 milhões de litros), já que dois reservatórios não saíram do papel. Além disso, foi implantado um túnel extravasor que leva água do Rio Joana para a Baía de Guanabara. O projeto acabou com as enchentes na Praça da Bandeira, mas alagamentos continuam a ocorrer no Maracanã e na Tijuca.
A Rio-Águas diz que foi estudada uma nova alternativa para a região, que recebe água que desce do Maciço da Tijuca. Em lugar de novos reservatórios, a prefeitura quer interligar o Rio Maracanã ao túnel extravasor, mas ainda avalia se fará a obra com recursos próprios ou empréstimo. A ligação teria capacidade de receber 30% da vazão do Rio Maracanã.
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Rocinha
Na Rocinha, uma cena tem se repetido nos últimos temporais: uma enxurrada ladeira abaixo toma a Estrada da Gávea, arrastando pessoas e até motos, como na última terça-feira. O adensamento da favela, observa a Rio Águas, reduziu a cobertura florestal, que poderia absorver a água da chuva, o que dificulta uma solução para o problema. Mas uma saída vem sendo estudada, diz o órgão.
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Sem ter terra nem rede de drenagem para escoar, a água desce pela estrada como se fosse um rio até chegar ao canal, perto Vila Olímpica, antes de desaguar na Praia de São Conrado. No mesmo canal, é despejado lixo, obstruindo a passagem da enxurrada, o que exige limpeza constante pela Comlurb. O Plano Drenagem sinaliza que rios de São Conrado também tiveram percursos alterados na urbanização do bairro, afetando o curso das águas.
Rio das Pedras e Muzema
As enchentes na Rua Engenheiro Souza Filho, que corta Rio das Pedras e Muzema, fazem parte da rotina dos moradores. Paulo Canedo, da UFRJ, observa que isso ocorre porque as favelas cresceram em cima de áreas alagadas, obstruindo a drenagem natural que levava a água das chuvas até a Lagoa da Tijuca. Ele avalia que qualquer intervenção na rede ali não teria o efeito desejado.
A secretária de Infraestrutura, Jessick Trairi, por sua vez, diz que o problema tem solução. O município está na fase final de licitar obras de drenagem da via, que incluem também a implantação de rede de esgotos e reparos na pavimentação. O custo estimado é de R$ 24,7 milhões, e a obra vai demorar 480 dias. Na Muzema, há intervenções em andamento para melhorar a drenagem do bairro.
Região da Lapa
O entorno da Praça da Cruz Vermelha é atendido por uma única galeria de águas pluviais, de dimensões insuficientes para escoar até a Marina da Glória a água que capta da rede de microdrenagem. Além disso, as ruas também estão em níveis mais baixos que o bairro da Lapa. Isso explica alagamentos nas ruas Mem de Sá, do Riachuelo, do Rezende e dos Inválidos.
O Plano Diretor de Drenagem do Rio (2015) aponta como solução ampliar essa galeria, mas ainda seria necessário construir dois piscinões na região para eliminar de vez o problema. Um desses piscinões seria em um estacionamento na Rua do Riachuelo e, o outro, na Praça Aguirre Cerda, no Bairro de Fátima), mas não há previsão para esta obra. Por enquanto, a prefeitura só faz a conservação da drenagem existente.
Sambódromo
Por baixo da Marquês de Sapucaí, corre o Rio Papa-Couve, que deságua no Canal do Mangue. Ele também absorve as águas das chuvas provenientes dos rios Comprido e Maracanã. Na terça-feira, choveu forte nos leitos desses três rios. A exemplo dos demais, o Papa-Couve transbordou alagando o Sambódromo a duas semanas do carnaval.
O presidente da Rio-Águas, Wanderson Santos, atribuiu a enchente que atingiu a Passarela à maré alta, que dificultou o escoamento da água da chuva. Antes do carnaval, o município promete limpar o Mangue naquele trecho para facilitar o escoamento da água do Papa-Couve. Mas o Plano Diretor de Drenagem destaca que o relevo nas imediações da Sapucaí, por ser muito plano, dificulta que as águas cheguem ao Mangue.
Rua Jardim Botânico
O ex-prefeito Marcelo Crivella chegou a fazer algumas intervenções em microdrenagem na via, mas a promessa de construir um piscinão no Jockey não saiu do papel. A atual prefeitura diz que, neste temporal, o canal da Rua General Garzon transbordou devido à maré alta e que tem se empenhado em fazer ajustes na operação da comporta que regula a passagem da água para a Lagoa.
Paulo Canedo, da UFRJ, explica que o natural seria eliminar a comporta, criando uma conexão permanente com a Lagoa. A dificuldade é que essa ligação direta poderia poluir a Lagoa, já que a rede pluvial tem ligações clandestinas de esgoto. Conselheiro do Clube de Engenharia, Luiz Carneiro de Oliveira defende a retomada de um projeto da década de 1960 que previa um túnel para levar água do Rio dos Macacos até o Costão do Vidigal.
Buraco do Lacerda
O Buraco do Lacerda, próximo à Favela do Jacarezinho, tradicionalmente enche em dias de temporal. Na tarde de quarta-feira, equipes da prefeitura ainda trabalhavam para liberar a passagem sob a linha férrea. O espaço ficar submerso é algo tão esperado que a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET-Rio) mantém placas de advertência para a via não ser usada em dias de chuvas.
O problema no Buraco do Lacerda, explica o presidente da Rio-Águas, Wanderson Santos, é provocado hoje pelo despejo irregular de lixo pelos moradores da região. Ele diz que a prefeitura mantém bombas de sucção em operação no local, para evitar os alagamentos, mas os detritos acabam travando os equipamentos. O município estuda instalar máquinas mais potentes.
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Jardim Maravilha
Desta vez, a chuva foi menos intensa nos bairros da Zona Oeste, evitando a inundação do loteamento Jardim Maravilha, em Guaratiba. A área é uma das mais críticas para enchentes, por estar num nível mais baixo que o dos cursos d’água.
A solução definitiva para a região ainda deve demorar. O município está investindo R$ 40,9 milhões na implantação de quase oito quilômetros de redes de drenagem. Por enquanto, as intervenções ocorrem em uma área que não está tão sujeita a alagamentos pelo Rio Cabuçu-Piraquê. Para resolver de vez o problema, a prefeitura prevê criar um sistema com barragens e parques alagáveis, o que deve exigir remoções de moradores que construíram casas em pontos inadequados. O projeto ainda está em detalhamento.
https://oglobo.globo.com/rio/noticia/2023/02/temporais-no-rio-entenda-por-que-nove-areas-da-cidade-sempre-alagam.ghtml
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